segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

VISITAR DOENTES: DEVER DO CRENTE E NÃO CRENTE - Por HUMBERTO PINHO DA SILVA

 




Entre o reduzido número de amigos de meu pai, contava-se um frade.

Conhecera-o em soalheira tarde de Verão, quando foi encarregado de realizar reportagem sobre certo santo, de certa Ordem Religiosa.

E de tal modo ficaram amigos, que durante longos anos, visitava-o no seu conventinho.

Chegaram a trocar presentes e debater assuntos transcendentes, de interesse de ambos.

A amizade era notada por todos, e de tal jeito, que aos poucos tornou-se conhecido e amigos de quase todos os irmãos da comunidade, inclusivo o Superior e o Provincial.

Um dia, a doença que o levaria à morte, atirou-o para Casa de Saúde, onde permaneceu semanas acamado e com poucas esperanças de vida.

Nas suas horas de solidão e desespero, pedia para telefonarem aos amigos, para que o fossem visitar, já que se sentia só, perdido e desanimado num quarto de hospital.

Apareceram familiares, principalmente o primo Júlio – sempre prestável, sempre pronto a fazer pequenos favores, e a visitar e animar doentes.

Além do Júlio, poucos mais apareceram…Os inadiáveis afazeres não lhes permitiam….

Lastimoso, contava aos filhos e à empregada, que, por tanto tempo haver servido a nossa casa, tornou-se membro da família:

 - “Parece impossível, nem o Frei X, que mora tão perto, apareceu…”

Mais tarde – no interregno que a doença lhe deu, – foi ao convento visitar o amigo “atarefado”.

Não estava. Atendeu o porteiro, que prestimoso, foi chamar “um senhor padre”.

Ao abordar a hospitalização, meu pai referiu-se ao facto de Frei X, não ter aparecido, devido a não ter transporte disponível. (Desculpa que lhe deu, pelo telefone.)

Em resposta, ouviu:

- “Não tinha transporte?! … A Casa tem carro. Eu próprio o levaria, com muito gosto, no meu automóvel! …

Uma das obras de caridade do cristão é visitar presos e doentes.

Que haja receio de confortar presos, compreende-se, mas que não se visite doentes, mormente conhecidos e amigos, é falta de Amor cristão e humanamente imperdoável.

O desprezo. A indiferença, e principalmente a ingratidão, costuma doer mais que a doença, mesmo quando é grave e mortífera.



HUMBERTO PINHO DA SILVA   -   Porto, Portugal



terça-feira, 1 de dezembro de 2015

SOLILÓQUIOS COM O MEU EU - Por HUMBERTO PINHO DA SILVA

 


 Dos prazeres peculiares do avô Alberto, um, era viajar só, para o litoral paulista.

Ia sozinho: sem mulher, sem filhos, sem netos e quase sem bagagem.

Ficava na casinha pitoresca de Itanhaém: entre a praia dos Sonhos e a secular Pedra do Anchieta.

Sentado à sombra refrescante do imponente alpendre ou na luxuriante vegetação do jardinzinho: lia, escrevia, reflectia e mantinha eruditos solilóquios.

Não eram bem solilóquios, mas conversações, travadas animadamente com o outro eu. Era espiritista – chegou a ser director de jornal exotérico, – mas abandonara, há muito, as sessões espíritas.

Asseverava que só personalidades fortes deviam assistir e participar; os outros, corriam sérios riscos de contraírem medos ou graves perturbações psicológicas. Nunca levou familiares ao Centro Espírita. Excepto uma neta.

Nas interessantes conversas com o outro eu, não havia espíritos nem mensagens do Além. Eram "diálogos", cavaqueava com ele próprio, em voz baixa ou em pensamento.

Comentava o que estava a ler. Dialogava pareceres. Criticava opiniões. Discorria sobre vários temas, que podiam ir da educação à violência no lar ou na via publica.

Nessas palestras, no intimo sossego da casa de praia – que as filhas adquiriram., – passava, enlevado, horas sem fim.

Ele próprio cozinhava. Quase sempre batatas cozidas com bacalhau. Prato que aprendera, na mocidade, com a mãe, em Portugal.

Por vezes – segundo dizia, – se as conversas descambavam para a política e temas prosaicos, logo as interrompia.

O outro eu era condescendente. Aceitava sem discutir, sem contrariar…


Desses curiosos colóquios, saiam interessantes ideias e meditações de elevada espiritualidade.
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Certa tarde de Janeiro, na casa de Alto de Pinheiros, confessou-me à puridade:
- Infelizmente não posso contar, a todos, o prazer que sinto nesses dias que passo sozinho. Não compreenderiam…Chamar-me-iam: doido. Mas é exercício salutar e enriquecedor…

Sei que o é. Quantas vezes surpreendo-me a dialogar com o outro eu.

Sempre que acontece, fico a compreender melhor o que é a vida, e o porquê de muitas coisas…

Só o isolamento e o silêncio, podem-nos dar esse sublime prazer.



HUMBERTO PINHO DA SILVA   -   Porto, Portugal
publicado por solpaz às 10:55