Luiz
Carlos Nogueira
Michel de Montaigne, em seus Ensaios,
I, XXI, informa que Stendhal escreveu por
volta do ano 1830: “Quem poderia
acreditar que ainda hoje existem em Roma pessoas que dão muita importância à
história da papisa Juana?”. A verdade é que
a história de que houve uma papisa com o nome de Joana, é controvertida.
Todavia, Alain Boureau (historiador, medievalista francês, diretor
de estudos na EHESS.) em seu livro
“La Papesse Jeanne” (Paris: Aubier, 1988), traduzido do francês por Guadalupe Loiro
do Urquía, sob o titulo de A Papisa Juana, refere-se a isso como sendo uma fábula em que uma mulher de nome
Joana, teria dissimulado seu sexo, para ocupar a cadeira de São Pedro; e que
isso só teria sido descoberto porque, a Igreja teria cumprido uma formalidade
de verificar a virilidade dos papas eleitos, pois dessa forma estariam evitando
que escândalos desse tipo ocorressem. Mas esse historiador faz uma ressalva de
que não encontrou nenhuma testemunha contemporânea que pudesse afirmar a
veracidade e a realidade desse rito de constatação, sendo como escreveu que “o certo é que o sistema de crenças ao que
pertence o rumor impede sua invalidação, pois qualquer refutação neste sentido
se interpreta como denegação, e em consequência como confirmação. Desta
maneira, Juana passa à eternidade graças à rumorologia.”.
Referiam-se
alguns cronistas sobre as duas “cadeiras
furadas”, que quando um papa era eleito, os dignitários da Igreja o
conduziam para a Capela de São Silvestre, depois de havê-lo feito sentar-se
numa primeira cadeira de mármore branco, localizada no pórtico da igreja, o
novo pontífice deveria recitar o Salmo 113: “Deus
eleva do pó o humilde, para fazer sentar-se acima dos príncipes!”.
A seguir, antes
de ser consagrado o novo papa, os bispos e os cardeais, o colocavam na segunda
cadeira, com as pernas separadas, devendo permanecer assim exposto, com seus
hábitos abertos, para que fosse mostrada aos observadores a prova da sua
virilidade, que deveria passar por uma segunda constatação por dois diáconos
que se asseguravam disso pelo tato, a fim de que nenhuma outra aparência
enganadora pudesse iludir aos olhos. Concluindo davam seus testemunhos: “habemus papam!!” — Em português: “temos
um papa!!!”. E a assembleia respondia: “Deo
Gratias”, como prova de reconhecimento.
Há quem diga que a expressão “Puxa-saco”, teria se originado
desse tipo de serviço cerimonial.
Aliás, essa
cerimônia me parece ridícula e inverossímel, no entanto, era o que os cronistas
contavam. Mas dizem que tal cerimônia teria sido abolida depois do papa Leão X,
quando as cadeiras teriam sido retiradas e levadas para a galeria do Palácio de
Latrão.
Já o escritor Maurice Lachatre, em seu livro
“Os Crimes dos Papas, Mistérios e Iniquidades da Corte de Roma” (São Paulo:
Madras Editora Ltda, 2004), afirma que : “Durante
muitos séculos, a história da papisa Joana havia sido reputada pelo próprio
clero como incontestável; mas, com o andar dos tempo, os ultramontanos,
compreendendo o escândalos e o ridículo que o reinado de uma mulher devia
lançar sobre a Igreja, trataram de fábula digna de desprezo dos homens
esclarecidos o pontificado dessa mulher célebre. Autores mais justiceiros
defenderam, pelo contrário, a reputação de Joana e provaram, com testemunhos os
mais autênticos, que a papisa havia ilustrado o seu reinado com o brilho das
suas luzes e com a prática das virtudes cristãs.”
No
livro citado, Lachatre escreveu que João Hus, Jerônimo de Praga, Wiclef, Lutero
e Calvino, foram acusados pelo padre Labbé, de terem sido eles que inventaram a
história da papisa Joana, mas que, no entanto, ficou provado que Joana já havia
se instalado na Santa Sé, por volta de seis séculos antes do aparecimento
desses homens ilustres, portanto, não era possível que eles tivessem inventado essa
fábula. Também Mariano
Escoto, que já escrevia há 50 anos antes deles, sobre a
vida da papisa, não poderia ter extraído tal história das obras daqueles
homens.
A
fábula da papisa Joana se resume mais ou menos assim: em torno do ano de 850,
uma mulher de origem inglesa, porém natural de Maguncia,
teria tomado a aparência de um homem, para poder acompanhar seu amante. Como
era muito estudiosa acabou ingressando na hierarquia da cúria romana, tendo
sido posteriormente eleita papa. Mas seu pontificado durou pouco mais de dois
anos, que foi interrompido por conta de um escândalo, porque ela não renunciou
aos prazeres do sexo e acabou ficando grávida, sendo que acabou falecendo
quando participava de uma procissão, que percorria o trajeto entre São Pedro do
Vaticano e São João do Letrán, depois de ter dado a luz a um menino, que teria sido
sufocado pelos padres que cercavam a mãe. Dizem que o cadáver da criança teria
sido enterrado junto com a mãe, no lugar onde havia ocorrido o trágico acontecimento.
Assim,
Lachatre argumenta que a história sob o ponto de vista moral, tem que elevar-se
acima dos interesses das religiões e seitas, tendo, por conseguinte, que fazer
prevalecer a verdade não obstante tenha que despertar a cólera dos sacerdotes —
considerando, inclusive, que no caso, a existência da célebre papisa Joana, ao
contrário de ferir a dignidade da Santa Igreja Católica, enobrece-a, porque no
seu discurso enquanto papisa, ela não adotou as astúcias, traições e crueldades
dos pontífices.
Segundo
esse escritor, uma das provas de que Joana existiu realmente, está no fato que
a corte de Roma decretou a proibição de colocar o nome da papisa no catálogo
dos papas.
Porém,
escreveu Lachartre que quando a Catedral de Siena foi restaurada no século XV,
foi mandado esculpir em mármore, os bustos de todos os papas até Pio II que era,
o que na época, estava na “Cadeira de Pedro”, de forma que o busto da papisa Joana teria sido
colocado entre os de Leão IV e Bento III, tendo sido ela o 108º pontífice, que
teria adotado o nome de João VIII. Claro que se isso é verdadeiro, logo o busto
da papisa foi destruído.