segunda-feira, 30 de novembro de 2015

TERIA EXISTIDO MESMO UMA MULHER QUE FOI PAPA, OU MAIS PRECISAMENTE UMA PAPISA?










Luiz Carlos Nogueira








Michel de Montaigne, em seus Ensaios, I, XXI, informa que Stendhal escreveu por volta do ano 1830: “Quem poderia acreditar que ainda hoje existem em Roma pessoas que dão muita importância à história da papisa Juana?”. A verdade é que a história de que houve uma papisa com o nome de Joana, é controvertida.


Todavia, Alain Boureau (historiador, medievalista francês, diretor de estudos na EHESS.) em seu livro “La Papesse Jeanne” (Paris: Aubier, 1988), traduzido do francês por Guadalupe Loiro do Urquía, sob o titulo de A Papisa Juana, refere-se a isso como sendo uma fábula em que uma mulher de nome Joana, teria dissimulado seu sexo, para ocupar a cadeira de São Pedro; e que isso só teria sido descoberto porque, a Igreja teria cumprido uma formalidade de verificar a virilidade dos papas eleitos, pois dessa forma estariam evitando que escândalos desse tipo ocorressem. Mas esse historiador faz uma ressalva de que não encontrou nenhuma testemunha contemporânea que pudesse afirmar a veracidade e a realidade desse rito de constatação, sendo como escreveu que “o certo é que o sistema de crenças ao que pertence o rumor impede sua invalidação, pois qualquer refutação neste sentido se interpreta como denegação, e em consequência como confirmação. Desta maneira, Juana passa à eternidade graças à rumorologia.”.

Referiam-se alguns cronistas sobre as duas “cadeiras furadas”, que quando um papa era eleito, os dignitários da Igreja o conduziam para a Capela de São Silvestre, depois de havê-lo feito sentar-se numa primeira cadeira de mármore branco, localizada no pórtico da igreja, o novo pontífice deveria recitar o Salmo 113: “Deus eleva do pó o humilde, para fazer sentar-se acima dos príncipes!”.

A seguir, antes de ser consagrado o novo papa, os bispos e os cardeais, o colocavam na segunda cadeira, com as pernas separadas, devendo permanecer assim exposto, com seus hábitos abertos, para que fosse mostrada aos observadores a prova da sua virilidade, que deveria passar por uma segunda constatação por dois diáconos que se asseguravam disso pelo tato, a fim de que nenhuma outra aparência enganadora pudesse iludir aos olhos. Concluindo davam seus testemunhos: “habemus papam!!” — Em português: “temos um papa!!!”. E a assembleia respondia: “Deo Gratias”, como prova de reconhecimento.

Há quem diga que a expressão “Puxa-saco”, teria se originado desse tipo de serviço cerimonial.

Aliás, essa cerimônia me parece ridícula e inverossímel, no entanto, era o que os cronistas contavam. Mas dizem que tal cerimônia teria sido abolida depois do papa Leão X, quando as cadeiras teriam sido retiradas e levadas para a galeria do Palácio de Latrão.


Já o escritor Maurice Lachatre, em seu livro “Os Crimes dos Papas, Mistérios e Iniquidades da Corte de Roma” (São Paulo: Madras Editora Ltda, 2004), afirma que : “Durante muitos séculos, a história da papisa Joana havia sido reputada pelo próprio clero como incontestável; mas, com o andar dos tempo, os ultramontanos, compreendendo o escândalos e o ridículo que o reinado de uma mulher devia lançar sobre a Igreja, trataram de fábula digna de desprezo dos homens esclarecidos o pontificado dessa mulher célebre. Autores mais justiceiros defenderam, pelo contrário, a reputação de Joana e provaram, com testemunhos os mais autênticos, que a papisa havia ilustrado o seu reinado com o brilho das suas luzes e com a prática das virtudes cristãs.”

No livro citado, Lachatre escreveu que João Hus, Jerônimo de Praga, Wiclef, Lutero e Calvino, foram acusados pelo padre Labbé, de terem sido eles que inventaram a história da papisa Joana, mas que, no entanto, ficou provado que Joana já havia se instalado na Santa Sé, por volta de seis séculos antes do aparecimento desses homens ilustres, portanto, não era possível que eles tivessem inventado essa fábula. Também Mariano Escoto, que já escrevia há 50 anos antes deles, sobre a vida da papisa, não poderia ter extraído tal história das obras daqueles homens.

A fábula da papisa Joana se resume mais ou menos assim: em torno do ano de 850, uma mulher de origem inglesa, porém natural de Maguncia, teria tomado a aparência de um homem, para poder acompanhar seu amante. Como era muito estudiosa acabou ingressando na hierarquia da cúria romana, tendo sido posteriormente eleita papa. Mas seu pontificado durou pouco mais de dois anos, que foi interrompido por conta de um escândalo, porque ela não renunciou aos prazeres do sexo e acabou ficando grávida, sendo que acabou falecendo quando participava de uma procissão, que percorria o trajeto entre São Pedro do Vaticano e São João do Letrán, depois de ter dado a luz a um menino, que teria sido sufocado pelos padres que cercavam a mãe. Dizem que o cadáver da criança teria sido enterrado junto com a mãe, no lugar onde havia ocorrido o trágico acontecimento.  

Assim, Lachatre argumenta que a história sob o ponto de vista moral, tem que elevar-se acima dos interesses das religiões e seitas, tendo, por conseguinte, que fazer prevalecer a verdade não obstante tenha que despertar a cólera dos sacerdotes — considerando, inclusive, que no caso, a existência da célebre papisa Joana, ao contrário de ferir a dignidade da Santa Igreja Católica, enobrece-a, porque no seu discurso enquanto papisa, ela não adotou as astúcias, traições e crueldades dos pontífices.

Segundo esse escritor, uma das provas de que Joana existiu realmente, está no fato que a corte de Roma decretou a proibição de colocar o nome da papisa no catálogo dos papas.

Porém, escreveu Lachartre que quando a Catedral de Siena foi restaurada no século XV, foi mandado esculpir em mármore, os bustos de todos os papas até Pio II que era, o que na época, estava na “Cadeira de Pedro”, de forma que o busto da papisa Joana teria sido colocado entre os de Leão IV e Bento III, tendo sido ela o 108º pontífice, que teria adotado o nome de João VIII. Claro que se isso é verdadeiro, logo o busto da papisa foi destruído.