(*)Fausto
Martins de Moura
Resumo
A partir do
estudo de doze tratados da obra de
Plotino intitulada “Enéadas”
(palavra grega, que significa em português novenas) foi possível perceber, o
que se depreende por transcendência: o ato de ir além de tudo; por imanência: o
ato limitante em si mesmo; por mística: a doutrina que admite uma comunicação
entre o humano e Deus. Estes fatores estão enlaçados na experiência da
contemplação de Deus, que na concepção plotiniana tem como melhor nome “Uno”, a
fonte emanadora de todas as coisas e da qual emanou-se: o “Ser”, a
“Inteligência” e a “Alma”.
A intenção
inicial em refletir a temática: “transcender-se da imanência pela via mística” nos
ensinamentos de Plotino surgiu da necessidade de conhecer sua doutrina (pagã),
a qual livre de qualquer instituição foi capaz de influenciar os vários pilares
religiosos do século III d.C. até a atualidade, século XXI. A segunda intenção
e com certa ousadia, foi conhecer mais de perto os ensinamentos do pai do
neoplatonismo e da mística. A terceira intenção veio por influência cristã e
pelo estudo da Filosofia.
Palavras-chave: transcendência;
imanência; mística; Uno; Ser; Inteligência e Alma.
Compreendendo a transcendência, a imanência
e a mística na doutrina plotiniana
Dos ensinamentos de Plotino, entende-se que há uma possibilidade de
romper todos os limites possíveis da realidade física (alcançada pela percepção
dos sentidos) que é a imanência. Esse romper para além da experiência física é
a transcendência; e quando isso acontece pela via mística, que é uma
comunicação particular entre o humano e a divindade, então se dá o êxtase, a
beatitude, o ponto pleno da união com Deus.
A superação da condição limite de tempo e espaço (imanência), em Plotino,
se dá pela via contemplativa de Deus, que é, segundo ele, absolutamente
transcendente (além de tudo), superior a todo pensamento, a todo ser. Supera
toda denominação afirmativa para defini-lo, portanto a negação de tudo o que
possa dizê-lo é a sua própria transcendência. “Na verdade, nenhum nome pode ser
atribuído adequadamente a ele; no entanto, como é preciso nomeá-lo, pode ser
chamado de Uno” (PLOTINO, 2002, p. 130; En. IX)
A reflexão aqui apresentada permite entender o que Plotino como
neoplatônico apreende com relação ao Uno, quando cita: “Platão diz que o Uno
não pode ser nem objeto de discurso, nem de escrita” (PLOTINO, 2002, p. 127; En. IX). Entende-se daí
que, escrever algo sobre o Uno, seria apenas um suporte para motivar o desejo
de contemplá-lo, mas jamais explicá-lo, pois ele está para além do conhecimento
racional; mesmo porque na denominação de Deus como Uno, Plotino explica muito
bem que: “A sua Unidade não deve ser confundida com a unidade numérica, ou a do
ponto geométrico” (PLOTINO, 2002,
p. 131; En. IX), pois essas duas unidades são puramente atividades
racionais, e o Uno vai
para além disso, por ser ele, uma potência que engendra todos os seres sem
qualquer alteração, a qual não se aumenta e nem diminui, pois tudo o que é
alguma coisa ou ser provém de Deus.
O Uno se propaga sem sair de si mesmo, num processo denominado emanação,
onde toda multiplicidade está contida indivisivelmente, e “por mais Uno que o
tenhas imaginado, ele é mais que isso. Pois ele é em si mesmo, sem que nenhum predicado lhe possa ser atribuído” (PLOTINO, 2002, p. 132; En. IX).
Portanto, o Uno em Plotino é Deus transcendente.
Do Uno (Deus), donde tudo se emana – o Ser,
a Inteligência, a Alma
Plotino concebe o Uno, como sendo o princípio de todas as coisas de um
jeito superabundante, transbordante, transcendente. O Uno não é um ser, porque
dele provém o Ser; e para que algo possa existir, o Uno não pode sê-lo, nem
possuí-lo, nem buscá-lo, porque o Uno permanece imóvel e inalterável; pode-se
dizer que o Ser “é o primeiro ato da geração do Uno” (PLOTINO, 2002, p. 63; En. XI), que por meio de
sua perfeição emanadora: “transbordou e sua superabundância produziu algo
diverso dele mesmo” (PLOTINO, 2002,
p. 63; En. XI). Há um retorno do que foi produzido para a fonte
originária, acontecendo, então, a contemplação; e desta contemplação há um
preencher do Ser tornando-o Inteligência, que por sua vez é consequência da
relação do ato de se contemplar o Uno. A partir desta relação contemplativa emanou-se
o Ser e a Inteligência ao mesmo tempo, os quais assemelhando-se ao Uno e também
repetindo o seu ato, emitiram um imenso poder dando-se um “segundo
transbordamento, o da essência da Inteligência, a Alma” (PLOTINO, 2002, p. 64; En. XI).
A Alma que proveio da Inteligência “surgiu como uma ideia e um ato da
Inteligência imóvel” (PLOTINO, 2002,
p. 64; En. XI); que também permaneceu inalterada, mas a Alma não é
imóvel, ela se manifesta por meio da contemplação de sua fonte originária, e
sendo preenchida por ela empreende um movimento contrário (descendente),
gerando a própria imagem, tão distinta que, se opõe a essência ou substância,
que significa uma atividade instável: “Essa imagem da Alma são os sentidos e o
princípio vegetativo” (PLOTINO,
2002, p. 64; En. XI); que vai do mundo inteligível ao sensível, a qual
pode oscilar como um movimento, ora ascendente, ora descendente.
Há, portanto, três faculdades da Alma: a primeira, enquanto é a hipóstase
(substância) condicionada na espécie vegetal, ela é considerada “a mais rebelde
e menos intelectual delas” (PLOTINO,
2002, p. 65; En. XI); a segunda, enquanto condicionada na espécie animal,
“o que prevalece e a conduz para lá é a faculdade sensorial” (PLOTINO, 2002, p. 65; En. XI),
que se manifesta por meio da percepção dos sentidos físicos externos: visão,
audição, olfato, paladar e tato; e a terceira, enquanto condicionada na espécie
humana, “o que prevalece no momento exteriorizante é a faculdade racional” (PLOTINO, 2002, p. 65; En. XI).
Consequentemente, a alma enquanto sensível material dotada da razão, se realiza
na medida em que, por meio de um processo de interiorização (a via
contemplativa), procura se elevar da própria condição inferior, para a condição
superior inteligível e se conectar ao que nela existe de semelhante, que é a
sua fonte de origem.
A alma humana, por consequência do movimento “tendo se originado da
Inteligência, tem esse princípio (arché) imanente em si, ela tem um desejo
inato pela atividade intelectual e pelo movimente em geral” (PLOTINO, 2002, p. 65; En. XI).
Assim, entende-se que, a matéria é limitada e limitante, quer dizer, está
presente numa situação de condição espacial e temporal, mas Plotino dá a
entender claramente sobre o movimento que se dá a alma condicionada numa
espécie material vegetativa, ele diz que o seu movimento é permanente em sua
origem, mesmo quando cortados os seus galhos e ramos ou o todo destruído pelo
fogo, a alma desta espécie volta sempre ao seu princípio: “não se move
espacialmente, pois, como não se separa de seu principio, está sempre com sua
origem” (PLOTINO, 2002, p. 66;
En. XI). Quando se trata aqui de movimento, trata-se de um retorno por
ter estado em algo, do contrário, se a alma eleva-se “é em direção ao poder da
Alma que a precede, que por sua vez tenderá ao poder da alma ainda mais alta, e
até chegar à Inteligência” (PLOTINO,
2002, p. 66; En. XI). Esse processo da alma não pode ser entendido
espacialmente “A Alma nunca esteve no espaço, e a Inteligência divina muito
menos ainda, pois é ainda mais livre” (PLOTINO, 2002, p. 66; En. XI).
A liberdade da alma consiste num processo intrínseco à sua essência; ela
precisa ascender da sua condição material, para alcançar em seu caminho, a
libertação de sua inferioridade, para daí, chegar ao que é real e perfeito, incorruptível,
a Inteligência divina. Portanto se durante esse processo “a Alma se detém na
metade do percurso, antes de chegar às alturas supremas, então ela terá uma
vida remediada e permanecerá no nível médio de si mesma” (PLOTINO, 2002, p. 66; En. XI);
e em sua espécie
singular, instala-se numa contínua seqüência de atos que se estendem
permanentemente em busca de se aperfeiçoar na Inteligência, de onde ela provém,
“embora cada parte diferencie-se da outra e a anterior não se perca na
posterior” (PLOTINO, 2002, p.
66; En. XI).
Resumindo: Plotino explica perfeitamente que por meio da contemplação do
Uno, o ato gerador é constante. A cada transbordamento emana-se um ser
distinto, que retorna ao Uno (a fonte geradora), e desse retorno há um
aperfeiçoamento do ser, uma assemelhação que emite uma poderosa natureza
emanadora; e cada emanação é descendente das posteriores e assim
consecutivamente e eternamente.
A via para a contemplação do Uno (Deus)
Em Plotino, no que diz respeito à experiência contemplativa de Deus
nota-se a necessidade de uma conversão, a qual exige rigor consigo mesmo para a
tão desejada visão do Belo, do Bem: “Como Bem, ele é desejado e o desejo tende
para ele; mas só o alcançam aqueles que se elevam à região superior e se
despojam das vestes que colocaram em sua descida” (PLOTINO, 2002, p. 30; En. I). Entende-se daí que, para
realizar o desejo e a busca da fonte de origem é preciso uma mudança interior,
um esvaziamento de todas as coisas e de si mesmo, possibilitando uma autopurificação
para assim, então, ascender-se e “até que, tendo abandonado nessa subida tudo o
que é estranho a Deus, vejam sozinhos, em seu isolamento, simplicidade e
pureza” (PLOTINO, 2002, p. 30;
En. I).
O despojamento significa desprendimento de todas as coisas, num ato
consciente de se conectar ao máximo naquilo que se quer, buscando nos próprios
atos o “Ser do qual tudo depende, para o qual todos os olhares se dirigem” (PLOTINO, 2002, p. 30; En. I). Essa
contemplação do Belo e do Bem é o máximo a que aspira e pretende a alma chegar,
e a contemplação constante é a chave da vida para superar as leis da matéria,
que impedem de se chegar ao topo, “do qual provêm o ser, a vida e o pensamento,
pois é a causa da Vida, da Inteligência e do Ser” (PLOTINO, 2002, p. 30; En. I).
Este licopolitano adota com exclusividade a transcendência como a
comunicação da vida divina para dentro do mundo. “Então, começa para a Alma a
maior de todas as lutas: ela emprega todo o seu esforço para não ser privada
dessa alta contemplação” (PLOTINO,
2002, p. 31; En. I). Esta ação constitui o que Plotino chama de êxtase,
realidade fundante da Alma penetrada da seiva generosa de Deus, por meio de sua
Beleza máxima e acima de todas já vistas. “O infeliz é quem não encontrou o
Belo, e apenas ele” (PLOTINO, 2002,
p. 31; En. I). Entender isso é entender que só é possível contemplar o
verdadeiro e primeiro Belo, se projetando através de si mesmo para além de si
mesmo, “é renunciar aos reinos e a dominação da terra, do mar e do céu, uma vez
que só abandonando e desprezando essas coisas é possível voltar-se para ele e
vê-lo” (PLOTINO, 2002, p.
31-32; En. I).
A doutrina de Plotino é bastante persistente quanto às regras de superar
os limites que impedem a possível visão da grande Beleza. Para ele “jamais uma
Alma poderia contemplar a Beleza suprema se antes não tornasse bela” (PLOTINO, 2002, p. 34; En. I). Daí entende-se quando ele fala da necessidade
de se assemelhar ao objeto de desejo, lançando-se de uma extremidade à outra,
como por exemplo: para se contemplar o Bem, seria necessário tornar-se bom,
onde o ato de contemplação fizesse reflexo ao ser contemplado.
Para entender melhor essa ideia é necessário meditar nas palavras do
próprio autor: “Portanto, que todo aquele que queira contemplar a Deus e ao Belo
se torne antes divino e belo” (PLOTINO,
2002, p. 34; En. I). Para isso é necessário o exercício da liberdade da
alma, pelo desprendimento do mundo sensível, por meio da ação inteligível (por
meio do intelecto), tendo como principal motivação a íntima união entre o
finito e o infinito, entre o ser emanado e o emanador, entre o humano e Deus,
numa dimensão ascendente a qual o autor das “Enéadas” enfatiza: “Tornando a
subir, chegará primeiro à Inteligência; verá que as ideias são belas e
reconhecerá que essa é a Beleza” (PLOTINO, 2002, p. 34; En. I).
Compreende-se que as Ideias são para Plotino os efeitos da visão máxima
da Beleza suprema. A visão deste filósofo-teólogo e místico mostra-se numa
realidade onde se manifesta a íntima conexão do que provêm com o provedor: “que
as Ideias são belas, pois elas provêm da Inteligência e do Ser. Para além da
Beleza está o que chamamos de “natureza do Bem”, que irradia de si a Beleza” (PLOTINO, 2002, p. 34; En. I).
Continuamente acima de tudo conclui-se que “Em todo caso, a Beleza reside no
Mundo Inteligível” (PLOTINO, 2002,
p. 34; En. I).
O Bem como via de contemplação, ilimitado e
transcendente
A reflexão a seguir é sobre o “Bem” do qual Plotino o concebe como um Bem
para além de todos os outros bens. Porque ele é em ato natural imóvel, absoluto
e objeto de desejo, o centro onde tudo se volta para ele. E em seu ato natural,
o Bem pode ser buscado em qualquer lugar “por ser ele o melhor de todos os
seres e transcender a todos os seres; é claro que tem de ser ao mesmo tempo o
Bem e o meio pelo qual tudo o mais pode participar” (PLOTINO, 2002, p. 39; En. LIV).
Segundo Plotino “podemos dizer que, para cada ser, o bem é uma vida que
está em conformidade com seu ato natural” (PLOTINO, 2002, p. 39; En. LIV). O ato natural significa a ordem das coisas em
seu todo e isso é um bem, a Alma possui isto de extraordinário “o bem é aquilo
que está de acordo com seu próprio ato natural” (PLOTINO, 2002, p. 39; En. LIV).
Plotino aponta duas maneiras para que se possa participar do “absoluto
Bem”, a primeira é tornar-se semelhante a ele, e a segunda é dirigir para ele
todos os seus atos. “Assim, se todas as aspirações e atos se dirigem para o
Bem, ele próprio não precisa nem pode visar ou desejar nada além de si mesmo” (PLOTINO, 2002, p. 39; En. LIV).
Essa correlação que existe entre o Bem que supera todos os outros bens, ou que,
com ele se assemelham e nele todas as partes são entrosadas é o ponto de união
entre elas.
Conforme o autor das “Enéadas”, o Bem “permanecendo imóvel, ele é o
princípio e a fonte de todos os atos naturais. Ele dá às coisas a Forma do Bem”
(PLOTINO, 2002, p. 40; En. LIV).
Para ele o Bem é em si mesmo e assim permanece. Ele é a “fonte e a causa” e não
sofre nenhum efeito, porém é quem afeta todos os que se dirigem a ele. “Posto
que ele está além do Ser, está além do Ato, da Inteligência e do pensamento” (PLOTINO, 2002, p40; En. LIV).
Compreende-se então, que o Bem é transcendente, na medida em que ele
supera tudo e nutre a tudo e é o ponto principal da busca, a Forma ideal, a
natureza suprema, onde a ordem das coisas em seu todo é um ato natural, por
isso o Bem permanece e “Deve permanecer imóvel enquanto circula a seu redor:
como uma circunferência ao redor de um centro do qual todos os seus raios
provêm” (PLOTINO, 2002, p. 40;
En. LIV).
Aqui Plotino refere-se ao Sol como modelo para compreender a autossuficiência
do Bem, porque o Sol propaga a sua luz sem sair de si mesmo, e a luz que se
propaga não se separa do Sol, por isso “Determinada coisa participa de uma imagem
do Bem na medida em que certa unidade, existência e forma estão presentes nela,
pois estas são uma imagem da Unidade, do Ser e da Forma (ou arquetípica)” (PLOTINO, 2002, p. 40; En. LIV).
De acordo com o texto, esta relação se mostra de forma ascendente, a partir dos
movimentos que se voltam em direção de onde se descende ou origina.
A experiência de beatitude de Plotino: a
visão da beleza e do Bem
Plotino expressa diretamente uma de suas experiências do Uno relatando um
de seus momentos especiais, do qual, experimentou uma esplendida sensação de se
unir em alma com a divindade: “muitas vezes ocorreu-me ser retirado do meu
corpo e conduzido a mim mesmo; ser retirado das coisas externas e introduzido
em mim mesmo” (PLOTINO, 2002,
p. 81; En. VI). Subentende-se que, para fazer uma experiência do Uno
“Deus”, a alma deve retirar-se do corpo, para encontrar-se consigo mesma numa
condição superior, e vincular-se ao Mundo Inteligível (das três naturezas
primeiras “hipóstases”: o Uno, a Inteligência e a Alma).
O autor das “Enéadas” transcende a esfera sensível do corpo e se lança em
uma experiência além do intuitivo e imaginativo grau místico, e assim, chegando
ao êxtase exclama a partir da visão de uma beleza maravilhosa, a qual ele
contempla, a sua certeza de pertencer a tão importante “ordem superior dos
seres por ter realizado em ato a mais nobre forma de vida” (PLOTINO, 2002, p. 81; En. VI).
Por meio da experiência mística, Plotino percebe uma beleza interior,
além da beleza visível. Ele concebe essa experiência como a visão de uma beleza
transcendente “Tais belezas só podem ser vistas por aqueles que veem com os
olhos da Alma. E quando as veem, experimentam um deleite, uma alegria” (PLOTINO, 2002, p. 25; En. I).
Essa alegria chega a ser “assombroso” muito mais que qualquer beleza antes
admirada e não como uma criação
representativa da realidade “pois nesse caso contemplam o reino da
verdadeira Beleza” (PLOTINO, 2002,
p. 25; En. I), ele mesmo afirma a sua identificação com a divindade e o
fato de ter-se “estabelecido nela” (PLOTINO, 2002, p. 81; En. VI); foi um ato supremo da plenitude e
do desejo do que se queria alcançar que é a transcendência mística: o ato de ir
além de si mesmo e conectar-se com a divindade.
O ser emanado, por via da relação íntima com a fonte emanadora, torna-se
semelhante ao experimentado, torna-se mediador entre a divindade e o mundo
material, uma intuição essencialmente do interior, ultrapassando a experiência
exterior dos sentidos e mantendo-se em si mesma consegue superar suas limitações
imanentes; o que parece é que, a razão perde todo o sentido, e a pessoa
sente-se plena de uma beatitude quando em contato mais íntimo com a divindade.
Daí se entende o que Plotino diz após sua experiência contemplativa do Uno: “no
entanto depois dessa estadia na região divina, quando desço da Inteligência,
para o raciocínio” (PLOTINO, 2002,
p. 81; En. VI). Este místico pai do neoplatonismo, fala de uma filosofia
para além da razão humana, justificando a Inteligência, não como uma espécie de
silogismo, mas como algo essencialmente divino, acima do raciocínio, do qual,
ele mesmo continua a refletir: “pergunto-me perplexo como é possível a minha
Alma estar neste corpo, sendo ela, mesmo estando no corpo essa coisa elevada
que se revelou a mim?” (PLOTINO,
2002, p. 81; En. VI).
Para poder alcançar a verdadeira beleza, que está no íntimo da alma
humana, Plotino mostra a correlação da imanência à transcendência, que está
para além das associações do pensamento, “mas é a causa do pensar para o outro,
e a causa não é idêntica ao causado, pois como a Causa de todas as coisas não é
nenhum de seus efeitos” (PLOTINO,
2002, p. 81; En. VI). Logo as coisas que formam o mundo, constituem-se a
partir de uma manifestação que as supera, pois “As coisas desprovidas de alma dirigem-se
à Alma; e esta dirige-se ao Bem por meio da Inteligência. Todas as coisas tem
algo do Bem: pois se possuem certo grau de unidade e de existência é por
participarem de sua Forma ideal (do Bem)” (PLOTINO, 2002, p. 40; En. I).
Por meio dessa relação sensível da imanência, com a inteligível da
transcendência, “assim também a alma, e com mais razão ainda, deve estar
desprovida de qualquer forma, de qualquer obstáculo para que seja fecundada e
iluminada, pela Natureza Primeira” (PLOTINO, 2002, p. 135; En. IX). E assim a natureza secundária, em
sua condição limitada se eleva pela admiração do ilimitado, se eleva na
presença do que é superior a ela, e pela unidade com Ele, dispensa toda e
qualquer formulação de conceitos, e fica o essencial: “o Bem que está acima de
todos os outros bens” (PLOTINO,
2002, p. 134; En. IX).
A acessibilidade ao Uno, parte do desejo e da busca do mesmo. Ela
acontece por ‘via da contemplação’ que sobrepõe a qualquer impedimento temporal
ou espacial, pois para Plotino, o Uno “não está em algum lugar, deixando os
outros lugares privados d’ele, mas está sempre presente para quem pode
alcançá-lo e ausente para quem é incapaz de fazê-lo” (PLOTINO, 2002, p. 134; En. IX). Daí se entende
que a inacessibilidade ao Uno seria o apego às coisas materiais, ao corpo,
enfim, a tudo que é perecível e limitante.
Para o autor das “Enéadas”, não é possível fazer uma experiência
contemplativa com a mente inconstante, sem fixá-la exclusivamente no objeto de
desejo. O momento meditativo deve permanecer necessariamente e unicamente
voltado para o ponto desejado, pois: “Quando a alma está tomada por algo, não
pode acolher em si à presença do objeto contrário” (PLOTINO, 2002, p. 135; En. IX). Daqui entende-se a
particularidade do exercício para efetivar por meio da contemplação singular do
Uno, a união mais perfeita.
Neste ponto da experiência humana, para superar o máximo das expectativas
que se alcança por tal ato, o que leva ao ilimitado e para além de um lugar
espacial e temporal, Plotino se refere a uma intensidade de efeito da
contemplação, que cria um vínculo inseparável, entre aquele que contempla e o
objeto contemplado, diferente, pois, dos corpos, os quais impedem os corpos
mesmos entre si de se comungarem, acima desse processo estão “as coisas incorporais
que não são separadas pelos corpos, nem separadas pelo lugar, mas pela
alteridade e pela diferença” (PLOTINO,
2002, p. 138; En. IX). A qual o ser se mostra capaz de apreender o Bem
na sua grandeza absoluta; e reconhecer-se num grau menor, não tendo em si
alteridade alguma com relação ao Bem, mas buscá-lo na plenitude de sua
dignidade.
Digamos do ponto de vista Plotiniano que: “Respiramos e conservamos nosso
ser porque esse Bem não retirou os dons que nos deu, nem se afastou, mas sempre
os concede a nós enquanto ele for o que é” (PLOTINO, 2002, p. 139; En. IX). Por isso a correlação
entre imanência e transcendência se funde mediante a compreensão da articulação
que existe entre elas “a Alma contempla a fonte da vida, a fonte da existência,
o princípio do Ser, a causa do Bem, a raiz da Alma” (PLOTINO, 2002, p. 139; En. IX).
Nessa perspectiva mística onde o humano encontra-se com a divindade, ele
se percebe além do que ele é, há um espanto, um assombramento e um desejo de
não mais retornar ao mundo sensível, corruptível, pois esse conhecimento dá a
Alma uma outra vida.
Acerca dessas reflexões ficam as expectativas de se fazer uma experiência
da divindade em nível total, buscando sempre, segundo a doutrina mística
plotiniana, transcender a “paredidade” que tenta nos limitar de ver além das
nossas perspectivas, a possibilidade de unir-se plenamente ao mistério
adorável, a unidade transcendente a todas as coisas, o Bem supremo, o Belo, o
Uno (Deus).
(Observação) “Paredidade”: termo utilizado
pelo filósofo autor deste artigo, para explicar — impedimento. Não é palavra
existente nos dicionários.
Bibliografia
PLOTINO. Tratado das Enéadas. Tradução de Américo Sommerman. 1ª reimpressão
de um texto de 12 Tratados. São Paulo: Polar Editorial, 2002.
(*)Fausto
Martins de Moura
Filósofo
licenciado pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás