Luiz Carlos Nogueira
Diziam os antigos filósofos que Ex Nihilo Nihil fit,
ou seja, nada vem do nada, então como puderam filosofar sobre o Ordo Ab Chao (A ordem saída do caos)?
A máxima filosófica de que nada vem do nada, pode significar que o nada estaria atribuindo a
si mesmo o poder de se autogerar? Ou seja, gerar-se a si mesmo? E assim
possibilitando a afirmativa filosófica sobre a ordem saída do caos? Qual caos
se nada existia?
Por conta dessas especulações, Gottfried Wilhelm
Leibniz[1],
filósofo alemão, chegou a indagar “por
que existe algo e não apenas o nada?” porque de outra forma se não houvesse
o nada – não haveria a necessidade de explicar nada, nem haveria alguém para
pedir explicação.
Mas é a ideia do nada que assombra o ser, conforme
disse Jean-Paul Sartre
em sua obra “O Ser e o Nada”[2],
porque para os existencialistas como Martins Heidgger[3],
o que angustia o ser e lhe causa ansiedade,
é pensar que a nossa existência sai do abismo do nada e acaba no nada da morte,
e nisso está o temor — o caminho para o não ser.
Todavia, o
filósofo judeu Moisés Maimônides[4]
afirmava que Deus criou o mundo do nada, o que ele não queria que
significasse dizer que o nada estaria na categoria de entidade – algo
equiparável ao divino, mas somente ele quis informar que Deus não criou o mundo
a partir de alguma coisa espiritual ou concreta, como também parece estar sustentado
pelo festejado teólogo cristão Tomás de Aquino.
E Maimônides explica as três teorias diferentes sobre a origem do
universo:
“A primeira teoria, sustenta que o Universo inteiro, à exceção de Deus,
foi por ele trazido à existência a partir da não-existência. No início somente
Deus havia, e mais nada; nem anjos, nem esferas celestes, nem o quanto nelas
existiria. Ele então produziu do nada todas as coisas existentes, tais como
são, por Sua vontade e desejo. Mesmo o tempo pertence às coisas criadas, pois o
tempo depende do movimento, isto é, de uma acidente sobre as coisas que se
movem. E as coisas de cujo movimento o tempo depende são, elas mesmas, seres
criados, que passam da inexistência à existência. Afirmamos que Deus existe antes da Criação do Universo,
embora o verbo existir implique a
noção do tempo. Acreditamos também que Ele existe por um espaço de tempo
infinito antes da Criação do Universo, mas, neste caso, não queremos dizer tempo no seu sentido concreto.
Utilizamos o termo para significar algo análogo ou semelhante ao tempo, pois
este é, indubitavelmente, um acidente e, de acordo com a nossa consideração, um
dos acidentes criados — tais como a negrura ou a brancura — não é uma
qualidade, mas um acidente ligado ao movimento. Isto deve ser claro para quem
compreendeu o que Aristóteles afirmou sobre o tempo e sua real existência.
Vamos expor aqui uma ideia que, ainda que marginal à
nossa abordagem, poderá ser útil no decurso de nossa discussão. Muitos
cientistas não sabem realmente o que é o tempo, e homens como Galeno ficaram
perplexos acerca deste assunto que questionaram se o tempo é real ou não. A
razão para este dúvida por ser encontrada no fato de o tempo se um acidente de
um acidente. Acidentes estão diretamente ligados a corpos materiais, como as
cores e os sabores, são facilmente compreendidos e formam-se noções corretas a
respeito deles. No entanto, há acidentes ligados a outros acidentes, como o
brilho da cor, a inclinação ou a curvatura de uma linha; destes é muito difícil
formar uma noção correta, principalmente quando o acidente que forma o
substrato para outro acidente não é constante, mas variável. Ambas as
dificuldades estão presentes na noção do tempo: ele é um acidente do movimento,
que, por sua vez, é um acidente do objeto movido. Além disso, não é uma
propriedade fixa. Ao contrário, sua condição verdadeira e essencial é não
permanecer no mesmo estado nem por dois momentos consecutivos. Esta é a fonte
da ignorância acerca da natureza do tempo.
Consideramos o tempo
uma coisa criada: vem à existência assim como os demais acidentes e as demais
substâncias que formam os substratos para os acidentes. Por esta razão, pelo
fato de o tempo pertencer às coisas criadas, não se pode dizer que Deus
produziu o Universo no início. Veja
bem: este argumento serve para quem não compreende sua incapacidade de refutar
as fortes objeções levantadas contra a teoria da Creatio ex nihilo. Se você admitir a existência do tempo antes da
Criação, será compelido a aceitar a teoria da Eternidade do Universo — pelo
fato de o tempo se tratar de um acidente que requeira um substrato. Então terá
que admitir que algo (junto a Deus) existiu antes da Criação do Universo,
posição à qual é seu dever se opor.” [...] (págs.105 a 107)
“A segunda teoria, e a teoria dos filósofos, cujas opiniões e trabalhos
nos são conhecidos, é a seguinte: é impossível que Deus produza tudo do nada ou
que reduza tudo a nada. Em outras palavras, é impossível que um objeto
consistente de matéria e forma pudesse ser produzido quando a matéria era
absolutamente inexistente ou que pudesse ser destruído de tal modo que a
matéria passasse a não existir mais. Dizer que Deus pode produzir uma coisa do
nada ou reduzir uma coisa a nada é, de acordo com a opinião desses filósofos, o
mesmo que afirmar que Ele poderia levar uma substância a ter, simultaneamente,
duas propriedades opostas, ou de criar outro ser semelhante a Ele, ou se
transformar em corpo, ou ainda, produzir um quadrado cuja diagonal fosse igual
a um de seus lados, ou coisas igualmente inviáveis. Os filósofos, portanto,
acreditam que não é um defeito no Ser Supremo a não-criação de coisas
impossíveis, pois a natureza do que é impossível é constante — independe da
ação de um agente e, por esta razão, não pode ser modificada; do mesmo modo
que, segundo eles, não há defeito na grandeza de Deus por Ele ser incapaz de
produzir uma coisa do nada, pois eles consideram isto uma das impossibilidades.
Consequentemente, admitem que uma determinada substância coexiste com Deus pela
Eternidade, de tal forma que nem Deus possa existir sem ela, nem ela sem Deus.
No entanto, não defendem que a existência desta substância seja equivalente à
de Deus, pois Deus é a causa de sua existência. A substância está para Deus
assim como a argila está para o ceramista ou o ferro, para o forjador, Deus
pode fazer com isto o que lhe agrade: ora forma Céus e Terra, ora, qualquer
outra coisa. Aqueles que sustentam esta visão assumem também que os Céus são transitórios,
que vieram à existência — mas não do nada — e podem deixar de existir, embora
não possam ser reduzidos a nada. Os Céus são transitórios do mesmo modo que os
indivíduos, entre os seres vivos: são produzidos de uma mesma substância
existente e são novamente reduzidos à mesma parte da substância, esta permanece
existindo. O processo de gênese e destruição e, no caso dos Céus, o mesmo que
em qualquer ser terrestre.
Os adeptos desta teoria se subdividem em várias
escolas, cujas opiniões e princípios é desnecessário discutirmos aqui, mas o
que mencionei é comum a todos eles. Também Platão sustenta a mesma
opinião.
Aristóteles conta, em sua obra Física (Acrosis), que, de acordo com Platão, os
Céus são transitórios. Esta visão é tratada também em seu livro Timaeus. Sua opinião, sem dúvida, é
discordante da nossa crença. Somente pessoas superficiais e descuidadas
admitem, de forma equivocada, que Platão acredita no mesmo que nós. Enquanto sustentamos que os Céus são
criados do Nada Absoluto, Platão acredita que os Céus foram formados de algo.”
(págs. 107 a 108)
“A terceira teoria é a de Aristóteles, seus
discípulos e comentaristas. Aristóteles argumenta, assim como os adeptos da
segunda teoria, que um corpo não pode ser produzido sem uma substância
corpórea. Todavia, ele vai mais longe e defende que o Céu é indestrutível. Ele
afirma que o Universo, em sua totalidade, nunca foi diferente e nunca se
modificará: os Céus, que são um elemento permanente do Universo e não estão
sujeitos à gênese nem à destruição, têm sido sempre assim. O Tempo e o
movimento são eternos, permanentes e não possuem princípio nem fim. O mundo
sublunar, que inclui os elementos transitórios, tem sido sempre o mesmo, porque
a matéria-prima é eterna e
simplesmente se combina sucessivamente de diferentes formas; quando uma forma é
removida, outra é assumida. Portanto, toda esta organização, tanto lá em cima
quanto aqui embaixo, nunca é perturbada ou interrompida, e nada é produzido
fora das leis ou do curso normal da Natureza. Ele ainda diz — embora não nestes
termos — que considera impossível para Deus modificar Sua Vontade ou conceber
um novo desejo, que Deus produziu este Universo em sua totalidade por Sua
Vontade, mas não do nada. Aristóteles considera impossível admitir que Deus
mude Sua Vontade ou conceba um novo desejo, seria como acreditar que Ele é
inexistente ou que Sua Essência é mutável. Consequentemente, conclui-se que
este Universo tem sido sempre o mesmo desde o passado e será o mesmo
eternamente. Esta é uma mostra completa das opiniões daqueles que consideram
que a existência de Deus, a Primeira Causa do Universo, foi estabelecida por
meio de demonstração. Mas seria desnecessário mencionar as opiniões daqueles
que não reconhecem a existência de Deus, porém acreditam que o estado de
existência das coisas é o resultado da combinação acidental e separação dos
elementos e que o Universo não tem um Legislador ou governador. Esta é a teoria
de Epícuro e sua escola, e
de filósofos semelhantes, segundo Alexandre de
Afrodísias. Seria supérfluo repetir seus pontos de vista, já que a
existência de Deus já ficou demonstrada, enquanto a sua teoria e construída
sobre uma base comprovadamente insustentável. É igualmente inútil corroborar a
correção dos seguidores da segunda teoria quando afirmam que os Céus são transitórios,
pois, ao mesmo em que acreditam na Eternidade do Universo, adotam aquela tória.
Assim, é indiferente para nós se acreditam que os Céus são transitórios e que
somente sua substância é eterna ou que os Céus são tidos como indestrutíveis,
de acordo com a visão de Aristóteles. Aqueles que seguem a Lei de Moisés e do
Patriarca Abraão — e todos aqueles que partilham de teorias semelhantes —
assumem que nada é eterno exceto Deus e a teoria do Creatio ex nihilo não inclui qualquer coisa que seja impossível,
enquanto alguns pensadores ainda consideram isto uma verdade estabelecida.”
[...] (págs. 108 a 109)