quinta-feira, 14 de junho de 2012

Céu e Inferno são lugares ou estados de consciência? Como interpretar o dilema da filosofia oriental do agir e do não-agir?










Luiz Carlos Nogueira










Há pouco tempo escrevi um artigo no meu blog, sob o título de: “Qual é a vantagem ser caridoso?”, para expor o meu ponto de vista sobre essa questão formulada por um amigo.

Depois disso, um leitor me escreveu perguntando como eu interpretava se o céu ou o inferno são lugares extra-humanos ou se são estados de consciência.

Fiquei ruminando na idéia essa questão por um longo tempo, e finalmente agora comecei a pensar na possibilidade de que esse leitor possa estar certo de alguma forma, ou seja, o céu pode ser um estado de consciência de quem é bom somente por ser bom, e o inferno pode ser também um estado de consciência de quem vive praticando o mal. Por que não?

Concordo ser mais plausível pensar dessa forma, do que imaginar um lugar fora de nós (Céu ou inferno), onde graças a Deus ainda não fomos para nenhum deles. Por outro lado, vemos aqui no nosso planeta mesmo, situações infernais como as dos povos que sofrem com a fome, as doenças e os abusos dos mais fortes, até à morte prematura. Para essas pessoas o inferno é ali mesmo onde estão. E quem são os diabos que exploram essas pessoas e fazem-nas criaturas mais infelizes e sem esperança? — São aqueles que vivem no céu da abastança material? 

Não é por acaso a prática das boas obras que os teólogos pregam aos seus fiéis, para eles merecerem o céu? Esse céu que eles se referem seria um céu externo que está fora do homem? Como pode numa mesma esfera de habitação existir céu é inferno ao mesmo tempo? Os que vivem no fausto estariam no suposto céu sustentado pelos infelizes que eu menciono, daqui da Terra?

Por que então Jesus ensinava que: “O Reino de Deus está dentro de vós” (Lucas, 17:21)? Ao que parece, os verdadeiros cristãos que compreenderam isto que o Cristo disse, procuram ser bons e praticar o bem, independentemente de recompensa ou de acreditar ou não na existência de um céu e um inferno fora do seu estado interno, pois a mente de quem é bom certamente repousa nessa bem-aventurança. Ou não?

Já a filosofia oriental, se não estou errado, parece colocar-nos num dilema, porque ela afirma que toda atividade humana se impregna de culpa ou Karma, porquanto, o que nos comanda é o Ego, que é ilusório. e por conseguinte, tudo o que ele faz é negativo e contaminado de culpa e maldade, de forma que a maioria daqueles que para conviver com essa filosofia, ou seja — se agir acumulará culpas, se não agir evitará as culpas, acabaram optando pela inatividade, apenas entregando-se à meditação passiva.

Ora, na verdade não é bem assim que haveremos de interpretar essa filosofia dos orientais, se bem analisado, o Bhagavad Gita (traduzido para o português pelo Dr. Ramananda Prasad, para a American/International Gita Society, com prefácio de Sriman Ojasvi dasa vvasa –Prof. Dr. Olavo Orlando Desimon- Presidente da Sociedade da Vida Divina, Brasil) não adota ou ensina nenhuma dessas duas alternativas, mas aponta o caminho do reto-agir, ou seja, uma terceira via que é da ação sem culpa ou karma.

A questão é saber distinguir o sábio do ignorante — assim: 

“O ignorante trabalha com apego aos frutos do resultado do trabalho, por si próprio, e o sábio trabalha sem apego, pelo bem-estar do mundo. O sábio não se preocupa, mas, inspira os outros pela realização eficiente de todos os trabalhos, sem egoísmo e apego; a mente do ignorante está apegada aos frutos do trabalho.

Fazer as obrigações sem um motivo egoísta pessoal é um estado exaltado, que é dado somente para alguém esclarecido. Isto, talvez, esteja além da compreensão das pessoas comuns.

A marca do gênio descansa na habilidade de reconhecer as idéias opostas e paradoxos, assim como em viver no mundo com desapego. A maioria das pessoas trabalha arduamente quando possuem uma força motivante, como o desfrute dos frutos do trabalho. Tais pessoas não devem ser desencorajadas ou condenadas. Elas devem ser lentamente introduzidas nos estágios iniciais do serviço desapegado. O excessivo apego por posses, não a possessão em si mesma, torna-se a origem da miséria.

Assim como devemos rezar e adorar com atenção sincera, similarmente, deve-se realizar as obrigações materiais com plena atenção, mesmo quando conhecemos muito bem que o trabalho e seus negócios são transitórios. Deve-se viver pensando somente em Deus, e não negligenciar as obrigações no mundo. Yogananda disse: “Ser sério na meditação do mesmo modo como no conseguir dinheiro. Não deve-se viver uma vida injusta”. A importância do controle dos sentidos e o caminho para combater o ego é entregue abaixo:

TODOS OS TRABALHOS SÃO TRABALHOS DA NATUREZA

As forças da natureza fazem todo o trabalho, mas devido a ilusão uma pessoa ignorante
supõem-se a si mesma como executora. Indiretamente, Deus é o executor de tudo. O poder e a vontade de Deus fazem tudo. Ninguém está livre, mesmo para matar a si próprio. Não se pode sentir a presença de Deus como sentimento o tempo todo de “Eu sou o executor” (a causa da ação). Se se concretiza que não somos causadores de nenhuma ação – pela graça de Deus – mas, que somos apenas instrumentos, tornamo-nos livres. Um cativeiro kármico é criado se nós nos consideramos nós mesmos os executores e desfrutadores.

O mesmo trabalho que é feito por um mestre realizado e uma pessoa comum produz resultados diferentes. O trabalho que é realizado por um mestre auto-realizado torna-se espiritualizado e não produz cativeiro kármico, porque uma pessoa auto-realizada não considera a si mesma o executor ou o desfrutador. O trabalho que é feito por uma pessoa comum produz cativeiro kármico.

Aquele que conhece a verdade sobre as regras das forças da natureza, em receber o trabalho feito, não se torna apegado ao trabalho. Tal pessoa percebe que isso se deve às forças da natureza, adquiridas pelo trabalho dele, pelo uso dos seus órgãos e instrumentos.

Aqueles que estão iludidos pelo poder ilusório (Maya) da natureza, tornam-se apegados ao trabalho, feito pelas forças da natureza. O sábio não de perturba, como a mente do ignorante cujo conhecimento é imperfeito.

A pessoa esclarecida não tenta dissuadir ou difamar uma pessoa ignorante da realização das ações egoístas, feita por ele, iludido pelas forças da natureza; porque o fazer o trabalho – e não a renúncia do trabalho no estágio inicial – no final das contas irá conduzi-los a entender a verdade de que ´nós não somos os executores’, mas apenas instrumentos divinos. O trabalhar com apego, também, possui um lugar no desenvolvimento da sociedade e na vida da pessoa comum. As pessoas podem facilmente transcender os desejos egoístas por um trabalho por uma nobre meta a sua escolha.

Faça as suas obrigações prescritas, dedicando todo o trabalho para Deus num estado espiritual da mente, livre do desejo, apego e tristeza mental.

Aqueles que sempre praticam este ensinamento Meu – com fé e livres de críticas - tornam-se livre do cativeiro do Karma. Mas aqueles que encontram defeito nestes ensinamentos, e que não praticam isto, são considerados ignorantes, confusos e estúpidos.

Todos os seres seguem sua natureza. Mesmo o sábio atua de acordo com a sua própria natureza. Se nós somos a garantia de nossa natureza, qual, então, é o mérito do sentido da contenção?

Enquanto nós não conseguimos e não suprimimos nossas naturezas, nos não devemos nos tornar vítimas, mas especialmente controladores e mestres dos sentidos, pela faculdade descriminativa da vida humana para aprimoramento gradual. A maior via de controle dos sentidos é o engajar de todos os nossos sentidos no serviço a Deus.


O MAIOR OBSTÁCULO NO CAMINHO DA PERFEIÇÃO

O apegos e aversões pelos objetos dos sentidos permanecem nos sentidos. Não se deve ficar sobre o controle destes dois, porque eles são os dois maiores obstáculos, sem dúvida, de alguém no caminho da auto-realização.

“Apegos” podem ser definidos como um forte desejo para experimentar os prazeres sensuais repetidamente. “Aversão”, é uma forte antipatia pelo que é desagradável. O caminho da paz da mente, conforto e felicidade, é a base de todo o esforço humano, incluindo a aquisição e propagação do conhecimento. Desejo – como qualquer outro poder dado pelo Senhor – não é o problema. Nós podemos ter desejos com o estado de espírito adequado que nos dará o controle sobre os apegos e aversões. Se nós podemos controlar nossos desejos a maioria das coisas que possuímos tornam-se dispensáveis; nada mais do que o essencial. Com uma atitude correta nós podemos obter o controle sobre todos nossos apegos e aversões. A única coisa necessária é ter um estado de espírito que torne mais coisas sem necessidade. Aqueles que possuem conhecimento, desapego e devoção, não possuem qualquer gosto ou desgosto por qualquer objeto mundano, pessoa, lugar, ou trabalho. Gostos e desgostos pessoais perturbam a tranqüilidade da mente e tornam-se obstáculos no caminho do progresso espiritual.

Deve-se atuar com o sentimento de responsabilidade sem ser governado pelo gosto e desgosto pessoal. O serviço sem egoísmo é a única austeridade e penitência nesta era, pelo qual qualquer um pode alcançar Deus enquanto vive e trabalha na sociedade moderna, sem a necessidade de ir para montanhas e florestas.

Todos se beneficiam se o trabalho é feito para o Senhor, do mesmo modo como todas as partes de uma árvore recebem água quando ela é colocada nas raízes, no local onde ela vive. Apegos e aversões são destruídos numa pessoa nobre, no princípio do autoconhecimento e desapego. Os amores e desafetos pessoais (gostos e desgostos) são os dois maiores obstáculos no caminho da perfeição. Aquele que há conquistado os apegos e as aversões torna-se uma pessoa livre, e alcança a salvação, por fazer suas obrigações naturais, conforme abaixo:

O trabalho natural inferior é melhor que o trabalho superior não natural. Mesmo a morte na realização da obrigação (natural) é proveitosa. Trabalho não natural produz elevada tensão.

Aquele que realiza a sua obrigação ordenado pela natureza (própria) é liberado dos laços do Karma e lentamente eleva-se do plano mundano. Aquele que assume uma responsabilidade de um trabalho que não foi prescrito para ele certamente é um convite para o fracasso. Deve-se envolver no trabalho melhor adaptado para a própria natureza ou tendências inatas. Não há ocupação perfeita. Cada ocupação neste mundo possui alguma falha. Devemos nos manter independentes da preocupação sobre as falhas das obrigações na vida. Deve-se cuidadosamente estudar a natureza pessoal para determinar uma ocupação apropriada. O trabalho conforme a própria natureza não produz tensão e é feito criativamente. O caminhar árduo, voluntariamente, feito contra as tendências naturais de cada um não é somente mais estressante mas, também, menos produtivo, e ele não fornece a oportunidade e tempo livre para o crescimento e desenvolvimento espiritual. Por outro lado, se alguém segue o caminho fácil ou o caminho representativo, não será capaz de ganhar o suficiente para satisfazer as necessidades básicas da (família) vida. Portanto, leve uma vida simples, pela limitação luxuriosa desnecessária, e desenvolva um hobby do serviço desapegado para equilibrar a balança material e espiritual necessário na vida.

LUXÚRIA, A ORIGEM DO PECADO

Arjuna disse: Ó Krishna, o que impele alguém a cometer pecados ou ações egoístas, mesmo contra a sua vontade, sendo forçada de novo a querê-los?

O Senhor Krishna disse: é a luxúria, nascida dentre a paixão, que se transforma em ira quando insatisfeita. A luxúria é insaciável, e é um grande demônio. Conheça-a como o inimigo.

O modo da paixão é a ausência do equilíbrio mental conduzido pela vigorosa atividade para alcançar os frutos do desejo. Luxúria, o desejo passional e egoísta por todo o prazer sensual e material, é o produto do modo da paixão. A luxúria torna-se ira se não satisfeita.

Quando o alcançar dos frutos é impedido ou interrompido, o intenso desejo por sua realização transforma-se em ira feroz. Por conseguinte, o Senhor nos disse que a luxúria e a ira são dois poderosos inimigos que podem conduzir alguém a cometer pecados e retirar do caminho da auto-realização, a suprema meta da vida humana. Atualmente, os desejos materiais compelem uma pessoa para ocupar-se em atividades pecaminosas.

Controle o seu querer, porque seja o que for o que você quiser exigirá de você. O senhor Buddha disse: “O desejo egoísta é a raiz de todos os males e misérias”.

Como o fogo é encoberto pela fumaça, um espelho é encoberto pelo pó, e como um embrião está encoberto pelo ventre, de forma similar, o autoconhecimento é encoberto pelos diferentes degraus da luxúria insaciável, a inimiga eterna do sábio.

A luxúria e o autoconhecimento são eternos inimigos. A luxúria somente pode ser destruída pelo autoconhecimento. Onde mora a luxúria, e como alguém deve controlar os sentidos para subjugar a luxúria, é dado abaixo:

Os sentidos, a mente e a inteligência diz-se que são o lugares da luxúria. A luxúria ilude uma pessoa controlando-lhe os sentidos, a mente, a inteligência, e velando o autoconhecimento.

Portanto, pelo controle dos sentidos, primeiro mate todos os maldosos desejos materiais (ou luxúria), que destrói o autoconhecimento e a auto-realização.

O poderoso inimigo, a luxúria, escraviza a inteligência por usar a mente como seu amigo e os sentidos e os objetos dos sentidos como seus soldados. Estes soldados mantém a  alma individual iludida, e obscurecem a Verdade Absoluta, como uma parte do drama da vida. O sucesso ou o fracasso na nossa função, na ação, depende de como nós cuidamos nossas funções individuais e alcançamos nosso destino.

Todos os desejos não podem – e não precisam – ser eliminados, mas desejos egoístas, e motivos pessoais egoístas, precisam ser eliminados para o progresso espiritual. Todas as nossas ações – pelos pensamentos, palavras e obras – incluindo os desejos, devem ser direcionados para glorificar a Deus, e para o bem da humanidade. As escrituras dizem: “O mortal quando se libera do cativeiro dos desejos egoístas torna-se imortal, e alcança a liberação, mesmo nesta vida.

COMO CONTROLAR A LUXÚRIA

Os sentidos são superiores ao corpo; a mente é superior aos sentidos; a inteligência é superior à mente, e o Ser é superior ao intelecto.

Assim, conhecendo o Ser como o mais alto, e controlando a mente pela inteligência, que é purificada pela prática espiritual, deve-se matar este poderoso inimigo, luxúria, Ó Arjuna, com a espada do conhecimento verdadeiro do Ser.

O descontrole dos desejos material irão ruir a linda jornada espiritual da vida. As escrituras fornecem as vias e os meios para afastar os desejos nascidos na mente, sobre próprio controle. O corpo pode ser comparado a uma carruagem sob a qual a alma individual – como passageiro, proprietário e desfrutador – é conduzida numa jornada espiritual em direção a Morada Suprema do Senhor. Responsabilidade e autoconhecimento são as duas rodas da carruagem, e, a devoção, o seu eixo. O serviço sem egoísmo é a estrada; as qualidades divinas são os marcos. As escrituras são as luzes orientadoras que dissipam a escuridão e a ignorância. Os cinco sentidos são os cavalos desta carruagem. Os objetos dos sentidos são a grama verde na margem da estrada; apegos e aversões são os obstáculos; e a luxúria, a ira e a ambição são os assaltantes. Amigos e parentes são companheiros de viagem a quem nós, temporariamente, encontramos durante a viagem. A Inteligência é o condutor desta carruagem. Se a inteligência, o cocheiro da carruagem, não é tornada pura e forte pelo autoconhecimento e deseja poder, então, fortes desejos sensuais e de prazeres materiais – ou os sentidos – irão controlar a mente no lugar da inteligência controlá-la. A mente e os sentidos irão atacar e tomar o controle da inteligência, o fraco cocheiro, e conduzirão o passageiro fora da meta da salvação, dentro da trincheira da transmigração.

Se a inteligência é bem treinada e purificada pelo fogo do autoconhecimento e discernimento, ela estará apta para controlar os cavalos dos sentidos, através da ajuda da prática espiritual e do desapego, as duas rédeas da mente, e o chicote da conduta moral e das práticas espirituais. O cocheiro deve manter as rédeas o tempo todo sob seu controle; de outra maneira, os cavalos dos sentidos irão conduzi-lo para dentro da trincheira da transmigração (reencarnação). Um único momento de descuido conduz a queda do caminho. Finalmente, deve-se cruzar o caminho do rio da ilusão (Maya) e, pelo uso da ponte da meditação, e do repetir silencioso do canto dos nomes do Senhor, ou um maha mantra*, tranqüilizam as ondas da mente, alcançando a costa do êxtase.

Aqueles que não podem controlar os sentidos não estarão aptos para alcançar a auto-realização, a meta do nascimento humano.

Não se deve estragar a si mesmo através dos enganos temporários dos prazeres dos sentidos. Aquele que controla os sentidos pode controlar o mundo todo, e alcançar o sucesso em todos os esforços. A paixão não pode ser completamente eliminada, mas é subjugada pelo autoconhecimento. A inteligência torna-se poluída durante os anos da juventude, assim como a água clara de um rio torna-se turva durante a estação das chuvas. Mantenha boas companhias, e coloque uma meta elevada na vida, prevenindo a mente e a inteligência de serem tentadas pelas distrações dos prazeres sensuais.”

* Nota do tradutor para o Português: É dito que nesta era de kali-yuga, o maha mantra  mais adequado é o cantar, segundo o Kali-shantarana upanishad, verso 2: Hare Rama Hare Rama, Rama Rama Hare Hare/ Hare Krishna Hare Krishna, Krishna Krishna Hare Hare.

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