Luiz Carlos Nogueira
Há pouco tempo escrevi um artigo no meu blog, sob o
título de: “Qual é a vantagem ser caridoso?”, para expor o meu ponto de vista
sobre essa questão formulada por um amigo.
Depois disso, um leitor me escreveu perguntando como
eu interpretava se o céu ou o inferno são lugares extra-humanos ou se são
estados de consciência.
Fiquei ruminando na idéia essa questão por um longo tempo, e
finalmente agora comecei a pensar na
possibilidade de que esse leitor possa estar certo de alguma
forma, ou seja, o céu pode ser um estado de consciência de quem é bom somente
por ser bom, e o inferno pode ser também um estado de consciência de quem vive
praticando o mal. Por que não?
Concordo ser mais plausível pensar dessa forma, do que
imaginar um lugar fora de nós (Céu ou inferno), onde graças a Deus ainda não
fomos para nenhum deles. Por outro lado, vemos aqui no nosso planeta mesmo,
situações infernais como as dos povos que sofrem com a fome, as doenças e os
abusos dos mais fortes, até à morte prematura. Para essas pessoas o inferno é
ali mesmo onde estão. E quem são os diabos que exploram essas pessoas e
fazem-nas criaturas mais infelizes e sem esperança? — São aqueles que vivem no
céu da abastança material?
Não é por acaso a prática das boas obras que os
teólogos pregam aos seus fiéis, para eles merecerem o céu? Esse céu que eles se
referem seria um céu externo que está fora do homem? Como pode numa mesma
esfera de habitação existir céu é inferno ao mesmo tempo? Os que vivem no
fausto estariam no suposto céu sustentado pelos infelizes que eu menciono,
daqui da Terra?
Por que então Jesus ensinava que: “O Reino de Deus está dentro de vós” (Lucas, 17:21)? Ao que parece,
os verdadeiros cristãos que compreenderam isto que o Cristo disse, procuram ser
bons e praticar o bem, independentemente de recompensa ou de acreditar ou não na existência de um
céu e um inferno fora do seu estado interno, pois a mente de quem é bom certamente
repousa nessa bem-aventurança. Ou não?
Já a filosofia oriental, se não estou errado, parece colocar-nos
num dilema, porque ela afirma que toda atividade humana se impregna de culpa ou
Karma, porquanto, o que nos comanda é o Ego, que é ilusório. e por conseguinte,
tudo o que ele faz é negativo e contaminado de culpa e maldade, de forma que a
maioria daqueles que para conviver com essa filosofia, ou seja — se agir
acumulará culpas, se não agir evitará as culpas, acabaram optando pela
inatividade, apenas entregando-se à meditação passiva.
Ora, na verdade não é bem assim que haveremos de
interpretar essa filosofia dos orientais, se bem analisado, o Bhagavad Gita (traduzido
para o português pelo Dr. Ramananda Prasad, para a American/International Gita
Society, com prefácio de Sriman Ojasvi dasa vvasa –Prof. Dr. Olavo Orlando
Desimon- Presidente da Sociedade da Vida Divina, Brasil) não adota ou ensina
nenhuma dessas duas alternativas, mas aponta o caminho do reto-agir, ou seja,
uma terceira via que é da ação sem culpa ou karma.
A questão é saber distinguir o sábio do ignorante —
assim:
“O ignorante trabalha com apego aos frutos do
resultado do trabalho, por si próprio, e o sábio trabalha sem apego, pelo
bem-estar do mundo. O sábio não se preocupa, mas, inspira os outros pela
realização eficiente de todos os trabalhos, sem egoísmo e apego; a mente do
ignorante está apegada aos frutos do trabalho.
Fazer as obrigações sem um motivo egoísta pessoal é
um estado exaltado, que é dado somente para alguém esclarecido. Isto, talvez,
esteja além da compreensão das pessoas comuns.
A marca do gênio descansa na habilidade de
reconhecer as idéias opostas e paradoxos, assim como em viver no mundo com
desapego. A maioria das pessoas trabalha arduamente quando possuem uma força
motivante, como o desfrute dos frutos do trabalho. Tais pessoas não devem ser
desencorajadas ou condenadas. Elas devem ser lentamente introduzidas nos
estágios iniciais do serviço desapegado. O excessivo apego por posses, não a
possessão em si mesma, torna-se a origem da miséria.
Assim como devemos rezar e adorar com atenção
sincera, similarmente, deve-se realizar as obrigações materiais com plena
atenção, mesmo quando conhecemos muito bem que o trabalho e seus negócios são
transitórios. Deve-se viver pensando somente em Deus, e não negligenciar as
obrigações no mundo. Yogananda disse: “Ser sério na meditação do mesmo modo
como no conseguir dinheiro. Não deve-se viver uma vida injusta”. A importância
do controle dos sentidos e o caminho para combater o ego é entregue abaixo:
TODOS OS TRABALHOS SÃO TRABALHOS DA NATUREZA
As forças da natureza fazem todo o trabalho, mas
devido a ilusão uma pessoa ignorante
supõem-se a si mesma como executora. Indiretamente,
Deus é o executor de tudo. O poder e a vontade de Deus fazem tudo. Ninguém está
livre, mesmo para matar a si próprio. Não se pode sentir a presença de Deus
como sentimento o tempo todo de “Eu sou o executor” (a causa da ação). Se se concretiza
que não somos causadores de nenhuma ação – pela graça de Deus – mas, que somos
apenas instrumentos, tornamo-nos livres. Um cativeiro kármico é criado se nós
nos consideramos nós mesmos os executores e desfrutadores.
O mesmo trabalho que é feito por um mestre
realizado e uma pessoa comum produz resultados diferentes. O trabalho que é
realizado por um mestre auto-realizado torna-se espiritualizado e não produz
cativeiro kármico, porque uma pessoa auto-realizada não considera a si mesma o executor
ou o desfrutador. O trabalho que é feito por uma pessoa comum produz cativeiro kármico.
Aquele que conhece a verdade sobre as regras das
forças da natureza, em receber o trabalho feito, não se torna apegado ao
trabalho. Tal pessoa percebe que isso se deve às forças da natureza, adquiridas
pelo trabalho dele, pelo uso dos seus órgãos e instrumentos.
Aqueles que estão iludidos pelo poder ilusório
(Maya) da natureza, tornam-se apegados ao trabalho, feito pelas forças da
natureza. O sábio não de perturba, como a mente do ignorante cujo conhecimento é
imperfeito.
A pessoa esclarecida não tenta dissuadir ou difamar
uma pessoa ignorante da realização das ações egoístas, feita por ele, iludido pelas
forças da natureza; porque o fazer o trabalho – e não a renúncia do trabalho no
estágio inicial – no final das contas irá conduzi-los a entender a verdade de
que ´nós não somos os executores’, mas apenas instrumentos divinos. O trabalhar
com apego, também, possui um lugar no desenvolvimento da sociedade e na vida da
pessoa comum. As pessoas podem facilmente transcender os desejos egoístas por
um trabalho por uma nobre meta a sua escolha.
Faça as suas obrigações prescritas, dedicando todo
o trabalho para Deus num estado espiritual da mente, livre do desejo, apego e
tristeza mental.
Aqueles que sempre praticam este ensinamento Meu –
com fé e livres de críticas - tornam-se livre do cativeiro do Karma. Mas
aqueles que encontram defeito nestes ensinamentos, e que não praticam isto, são
considerados ignorantes, confusos e estúpidos.
Todos os seres seguem sua natureza. Mesmo o sábio
atua de acordo com a sua própria natureza. Se nós somos a garantia de nossa
natureza, qual, então, é o mérito do sentido da contenção?
Enquanto nós não conseguimos e não suprimimos
nossas naturezas, nos não devemos nos tornar vítimas, mas especialmente
controladores e mestres dos sentidos, pela faculdade descriminativa da vida
humana para aprimoramento gradual. A maior via de controle dos sentidos é o
engajar de todos os nossos sentidos no serviço a Deus.
O MAIOR OBSTÁCULO NO CAMINHO DA PERFEIÇÃO
O apegos e aversões pelos objetos dos sentidos
permanecem nos sentidos. Não se deve ficar sobre o controle destes dois, porque
eles são os dois maiores obstáculos, sem dúvida, de alguém no caminho da
auto-realização.
“Apegos” podem ser definidos como um forte desejo
para experimentar os prazeres sensuais repetidamente. “Aversão”, é uma forte
antipatia pelo que é desagradável. O caminho da paz da mente, conforto e
felicidade, é a base de todo o esforço humano, incluindo a aquisição e
propagação do conhecimento. Desejo – como qualquer outro poder dado pelo Senhor
– não é o problema. Nós podemos ter desejos com o estado de espírito adequado
que nos dará o controle sobre os apegos e aversões. Se nós podemos controlar
nossos desejos a maioria das coisas que possuímos tornam-se dispensáveis; nada
mais do que o essencial. Com uma atitude correta nós podemos obter o controle sobre
todos nossos apegos e aversões. A única coisa necessária é ter um estado de espírito
que torne mais coisas sem necessidade. Aqueles que possuem conhecimento, desapego
e devoção, não possuem qualquer gosto ou desgosto por qualquer objeto mundano,
pessoa, lugar, ou trabalho. Gostos e desgostos pessoais perturbam a tranqüilidade
da mente e tornam-se obstáculos no caminho do progresso espiritual.
Deve-se atuar com o sentimento de responsabilidade
sem ser governado pelo gosto e desgosto pessoal. O serviço sem egoísmo é a
única austeridade e penitência nesta era, pelo qual qualquer um pode alcançar Deus enquanto vive e trabalha na sociedade moderna,
sem a necessidade de ir para montanhas e florestas.
Todos se beneficiam se o trabalho é feito para o
Senhor, do mesmo modo como todas as partes de uma árvore recebem água quando
ela é colocada nas raízes, no local onde ela vive. Apegos e aversões são
destruídos numa pessoa nobre, no princípio do autoconhecimento e desapego. Os
amores e desafetos pessoais (gostos e desgostos) são os dois maiores obstáculos
no caminho da perfeição. Aquele que há conquistado os apegos e as aversões
torna-se uma pessoa livre, e alcança a salvação, por fazer suas obrigações
naturais, conforme abaixo:
O trabalho natural inferior é melhor que o trabalho
superior não natural. Mesmo a morte na realização da obrigação (natural) é
proveitosa. Trabalho não natural produz elevada tensão.
Aquele que realiza a sua obrigação ordenado pela
natureza (própria) é liberado dos laços do Karma e lentamente eleva-se do plano
mundano. Aquele que assume uma responsabilidade de um trabalho que não foi
prescrito para ele certamente é um convite para o fracasso. Deve-se envolver no
trabalho melhor adaptado para a própria natureza ou tendências inatas. Não há
ocupação perfeita. Cada ocupação neste mundo possui alguma falha. Devemos nos
manter independentes da preocupação sobre as falhas das obrigações na vida.
Deve-se cuidadosamente estudar a natureza pessoal para determinar uma ocupação
apropriada. O trabalho conforme a própria natureza não produz tensão e é feito
criativamente. O caminhar árduo, voluntariamente, feito contra as tendências
naturais de cada um não é somente mais estressante mas, também, menos produtivo,
e ele não fornece a oportunidade e tempo livre para o crescimento e desenvolvimento
espiritual. Por outro lado, se alguém segue o caminho fácil ou o caminho representativo,
não será capaz de ganhar o suficiente para satisfazer as necessidades básicas
da (família) vida. Portanto, leve uma vida simples, pela limitação luxuriosa desnecessária,
e desenvolva um hobby do serviço desapegado para equilibrar a balança material
e espiritual necessário na vida.
LUXÚRIA, A ORIGEM DO PECADO
Arjuna disse: Ó Krishna, o que impele alguém a
cometer pecados ou ações egoístas, mesmo contra a sua vontade, sendo forçada de
novo a querê-los?
O Senhor Krishna disse: é a luxúria, nascida dentre
a paixão, que se transforma em ira quando insatisfeita. A luxúria é insaciável,
e é um grande demônio. Conheça-a como o inimigo.
O modo da paixão é a ausência do equilíbrio mental
conduzido pela vigorosa atividade para alcançar os frutos do desejo. Luxúria, o
desejo passional e egoísta por todo o prazer sensual e material, é o produto do
modo da paixão. A luxúria torna-se ira se não satisfeita.
Quando o alcançar dos frutos é impedido ou
interrompido, o intenso desejo por sua realização transforma-se em ira feroz.
Por conseguinte, o Senhor nos disse que a luxúria e a ira são dois poderosos
inimigos que podem conduzir alguém a cometer pecados e retirar do caminho da
auto-realização, a suprema meta da vida humana. Atualmente, os desejos
materiais compelem uma pessoa para ocupar-se em atividades pecaminosas.
Controle o seu querer, porque seja o que for o que
você quiser exigirá de você. O senhor Buddha disse: “O desejo egoísta é a raiz
de todos os males e misérias”.
Como o fogo é encoberto pela fumaça, um espelho é
encoberto pelo pó, e como um embrião está encoberto pelo ventre, de forma
similar, o autoconhecimento é encoberto pelos diferentes degraus da luxúria
insaciável, a inimiga eterna do sábio.
A luxúria e o autoconhecimento são eternos
inimigos. A luxúria somente pode ser destruída pelo autoconhecimento. Onde mora
a luxúria, e como alguém deve controlar os sentidos para subjugar a luxúria, é
dado abaixo:
Os sentidos, a mente e a inteligência diz-se que
são o lugares da luxúria. A luxúria ilude uma pessoa controlando-lhe os
sentidos, a mente, a inteligência, e velando o autoconhecimento.
Portanto, pelo controle dos sentidos, primeiro mate
todos os maldosos desejos materiais (ou luxúria), que destrói o autoconhecimento
e a auto-realização.
O poderoso inimigo, a luxúria, escraviza a
inteligência por usar a mente como seu amigo e os sentidos e os objetos dos
sentidos como seus soldados. Estes soldados mantém a alma individual iludida, e obscurecem a
Verdade Absoluta, como uma parte do drama da vida. O sucesso ou o fracasso na
nossa função, na ação, depende de como nós cuidamos nossas funções individuais
e alcançamos nosso destino.
Todos os desejos não podem – e não precisam – ser
eliminados, mas desejos egoístas, e motivos pessoais egoístas, precisam ser
eliminados para o progresso espiritual. Todas as nossas ações – pelos
pensamentos, palavras e obras – incluindo os desejos, devem ser direcionados
para glorificar a Deus, e para o bem da humanidade. As escrituras dizem: “O mortal
quando se libera do cativeiro dos desejos egoístas torna-se imortal, e alcança
a liberação, mesmo nesta vida.
COMO CONTROLAR A LUXÚRIA
Os sentidos são superiores ao corpo; a mente é
superior aos sentidos; a inteligência é superior à mente, e o Ser é superior ao
intelecto.
Assim, conhecendo o Ser como o mais alto, e
controlando a mente pela inteligência, que é purificada pela prática
espiritual, deve-se matar este poderoso inimigo, luxúria, Ó Arjuna, com a
espada do conhecimento verdadeiro do Ser.
O descontrole dos desejos material irão ruir a
linda jornada espiritual da vida. As escrituras fornecem as vias e os meios
para afastar os desejos nascidos na mente, sobre próprio controle. O corpo pode
ser comparado a uma carruagem sob a qual a alma individual – como passageiro,
proprietário e desfrutador – é conduzida numa jornada espiritual em direção a
Morada Suprema do Senhor. Responsabilidade e autoconhecimento são as duas rodas
da carruagem, e, a devoção, o seu eixo. O serviço sem egoísmo é a estrada; as
qualidades divinas são os marcos. As escrituras são as luzes orientadoras que
dissipam a escuridão e a ignorância. Os cinco sentidos são os cavalos desta
carruagem. Os objetos dos sentidos são a grama verde na margem da estrada;
apegos e aversões são os obstáculos; e a luxúria, a ira e a ambição são os assaltantes.
Amigos e parentes são companheiros de viagem a quem nós, temporariamente,
encontramos durante a viagem. A Inteligência é o condutor desta carruagem. Se a
inteligência, o cocheiro da carruagem, não é tornada pura e forte pelo autoconhecimento
e deseja poder, então, fortes desejos sensuais e de prazeres materiais – ou os
sentidos – irão controlar a mente no lugar da inteligência controlá-la. A mente
e os sentidos irão atacar e tomar o controle da inteligência, o fraco cocheiro,
e conduzirão o passageiro fora da meta da salvação, dentro da trincheira da
transmigração.
Se a inteligência é bem treinada e purificada pelo
fogo do autoconhecimento e discernimento, ela estará apta para controlar os
cavalos dos sentidos, através da ajuda da prática espiritual e do desapego, as
duas rédeas da mente, e o chicote da conduta moral e das práticas espirituais.
O cocheiro deve manter as rédeas o tempo todo sob seu controle; de outra
maneira, os cavalos dos sentidos irão conduzi-lo para dentro da trincheira da
transmigração (reencarnação). Um único momento de descuido conduz a queda do caminho.
Finalmente, deve-se cruzar o caminho do rio da ilusão (Maya) e, pelo uso da
ponte da meditação, e do repetir silencioso do canto dos nomes do Senhor, ou um
maha mantra*, tranqüilizam as ondas da mente, alcançando a costa do êxtase.
Aqueles que não podem controlar os sentidos não
estarão aptos para alcançar a auto-realização, a meta do nascimento humano.
Não se deve estragar a si mesmo através dos enganos
temporários dos prazeres dos sentidos. Aquele que controla os sentidos pode
controlar o mundo todo, e alcançar o sucesso em todos os esforços. A paixão não
pode ser completamente eliminada, mas é subjugada pelo autoconhecimento. A
inteligência torna-se poluída durante os anos da juventude, assim como a água
clara de um rio torna-se turva durante a estação das chuvas. Mantenha boas
companhias, e coloque uma meta elevada na vida, prevenindo a mente e a
inteligência de serem tentadas pelas distrações dos prazeres sensuais.”
* Nota do tradutor
para o Português: É dito que nesta era de kali-yuga, o maha mantra mais adequado é o cantar, segundo o
Kali-shantarana upanishad, verso 2: Hare Rama Hare Rama, Rama Rama Hare Hare/
Hare Krishna Hare Krishna, Krishna Krishna Hare Hare.
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