Luiz Carlos Nogueira
No meu tempo de criança era muito comum se ouvir longas histórias de fantasmas ou assombrações, nas quais se incluíam outras personagens que eram do folclore mato-grossense (naquela época os Estado de Mato Grosso ainda não havia sido dividido), tais como: o pé-de-garrafa, o pé-de-pilão, o neguinho do pastoreio, o pai-do-mato, a minha paquera (paqüéra como era grafada, acentuada e pronunciada antigamente) que se trata, segundo a lenda regional, de uma cabeça monstruosa e que não possuía corpo, mas só as vísceras. Portanto, quando saia sempre à caça de crianças para se alimentar, descia dos morros aos gritos: “minha paqüéra, ai minha paqüéra!!!”, porque sentia dores ao se arrastar
Essas histórias geralmente eram contadas à noite, quando a família se reunia para conversar, porque ainda não existia televisão, pois em muitas cidades a energia elétrica era produzida pelas usinas termelétricas e o seu fornecimento era racionado, devido ao alto custo do petróleo ou do carvão ou do gás que eram usados para o seu funcionamento. As usinas cessavam de fornecer energia, geralmente por volta das 22 horas, no máximo. Assim a “gurizada” costumava a se recolher e dormir mais cedo, não sem medo em razão do que ouviam.
Assim o nosso imaginário era povoado por essas criaturas, além dos fantasmas (almas-penadas). E não era raro quando saíamos à noite, sentirmos algum arrepio por lembrar-nos dessa “turma esquisita” que se movia nas sombras. Qualquer coisa que se mexia na escuridão era motivo de alerta.
Recordo-me quando eu ainda era bastante jovem e devia ter por volta de uns 14 ou 16 anos de idade. Nessa época, morávamos um pouco afastado do centro da cidade. Para irmos até à cidade, eu e o meu pai usávamos bicicleta. Eu ia à pé quando tinha alguma festa ou algum outro evento para diversão. A estrada não era calçada (paralelepípedo, lajotas ou asfalto), mas dado à constituição do terreno, o chão era muito firme que possibilitava ouvir o som dos nossos próprios passos.
Nessa época as Casas Pernambucanas usavam pintar uma faixa de branco nas partes de cima dos coqueiros ou das rochas, para escrever o seu nome comercial, como uma forma de propaganda.
Pois bem, certo dia sai a passeio, indo à pé para a cidade. Ao passar pelos coqueiros, a Casas Pernambucanas ainda não havia pintado nenhum deles – o que fez mais tarde. De sorte que vi os coqueiros de forma natural.
Ao retornar para minha casa, por volta das 22 horas, eu caminhava distraído, não obstante o céu estivesse estrelado, a noite estava escura, porque não era época do céu enluarado. Observando aquelas luzinhas que mais pareciam lâmpadas suspensas do zimbório do nosso orbe, de repente meus olhos ao passearem pelos coqueiros, me fizeram arrepiar dos pés à cabeça, pois algo se mexia nas sombras, lá no alto. Quanto mais eu tentava ver o que de fato estava acontecendo, mais me pareciam seres estranhos à espreita de uma vítima. Vampiros!!??? Lobisomens trepados nas árvores!!!???? Que diabos seriam aqueles seres noturnos???
Apavorei-me e pensei em correr, mas eu sabia que o vizinho da nossa propriedade tinha muitos cachorros, bem do tipo daqueles cães do Drácula. Eles poderiam ouvir o som dos meus pés socando o chão numa corrida desabalada, e saírem à minha caça. Santo Deus! Pensei. Correr ou não correr? Era aquela situação em que se você ficar o bicho come e se correr o bicho pega.
Seja o que Deus quiser, pensei. Saí correndo como aquele cão do desenho animado, o Scooby Doo ou o Papa-Léguas. Ah!! Como eu corri naquela noite, cheguei ao portão da minha casa, quase sem poder respirar. Falar também, nem era possível. Meus pulmões quase não foram suficientes para receberem todo o ar que eu precisava. Não sei como abri o portão e a porta da minha casa. Felizmente os cachorros do vizinho não tiveram tempo para saírem ao meu encalço.
No dia seguinte quando saí de casa para ir ao ginásio (é isso aí mesmo, naquela época começávamos estudar no que era chamado ensino primário – 4 anos. Depois estudávamos um ano para fazermos o exame de admissão do ginásio. Uma vez aprovados, estudávamos mais 4 anos de ginásio, para podermos fazer exames vestibulares para as faculdades), ao passar por aquele trecho onde eu havia passado um susto enorme, vi com misto de raiva e indignação, aquilo que foi o motivo do meu apuro.
Isto é para ver que os nossos sentidos podem nos enganar de forma até brutal. Lembrei-me disso porque não faz muitos dias, ao tirar o meu automóvel da garagem para ir buscar minha mulher que estava numa reunião, ao olhar para trás vi duas mulheres paradas próximas de uma lixeira do lado oposto da rua da minha casa. Vi uma delas perfeitamente: era morena, cabelos curtos e vestia uma camiseta preta e calças compridas de um azul claro e apagado. Quanto a outra do seu lado, eu não pude prestar a atenção como trajava. Mas, para mim eram duas mulheres, paradas como se estivessem conversando. Estranhei a atitude delas, porque me parecia estranho que estivessem ali como que observando a movimentação das pessoas naquelas imediações.
Dei marcha à ré e coloquei o carro de forma que os faróis pudessem iluminar aquelas duas mulheres em atitude estranha. Eis que para a minha surpresa no lugar onde parecia estarem, havia de fato uma lixeira e umas flores. Esse conjunto de coisas, a luz que vinham das residências e o escuro da noite, produziram uma ilusão de ótica.
Então é assim que muitas vezes se veem fantasmas e coisas do mesmo gênero.
Quanto à casa mal-assombrada, eu diria que era sim bem-assombrada, se não fosse pela descoberta do que causava tanta confusão e desassossego para os seus moradores, vizinhos, etc.
Vou narrar-lhes o que se passou.
Não vou dizer em qual cidade isso aconteceu, assim como os nomes dos seus moradores, para preservar as identidades das pessoas das quais não tenho a permissão para citá-las.
A casa onde o fato ocorreu, é de uma construção muito antiga. Só não é muito alta como antigamente era de costume construir, talvez porque as casas altas num lugar onde faz muito calor ficavam, por isso, mais ventiladas.
Mas essa casa que foi bem-assombrada, como disse, não é muito alta. Não sei se ainda é assim, pelo menos tinha forro de estuque (tela encoberta de massa de gesso, acho que também tinha pó de mármore, cal e areia, que era esticada no teto das casas, para forrá-las). Esse tipo de forro não permitia andar por cima dele, por ser muito frágil. Depois de forradas com estuque, as casas recebiam as instalações elétricas, antes de cobri-las de telhas. E assim permaneciam por longos anos. Ninguém se preocupava em trocar a fiação que ia descascando devido o tempo e o calor.
Uma determinada noite, alguém tocou a campainha. O morador da casa tinha acabado de colocar seu pijama e ido se deitar para dormir. Um pouco assustado, porque ninguém costumava ir às casas dos amigos tarde da noite, abriu a porta e nada. Não havia ninguém.
Passado alguns minutos, quando ele já ia pegando no sono, a campainha tocou novamente. Já irritado seu Nenê (esse é um apelido que lhe dei só para facilitar a narrativa) foi abrir a porta. Ninguém estava lá.
Seu Nenê voltou para a cama e quando mal havia se deitado, novamente Trrrrriiiiiiimmm!!!!
Novamente seu Nenê foi até à porta, mas antes de abrir “deu em berro”: quem está aí???? Aí a campainha soou duas vezes rápidas: trrimm, trrimm!! Seu Nenê abriu rapidamente a porta pensando: agora é que eu pego esse maldito!!! Ninguém estava lá. Aí seu Nenê ficou todo arrepiado, benzeu o corpo e ficou amofinado. Muito assustado, chamou a mulher e foram rezar juntos. A coisa parou.
No dia seguinte, bem na hora do almoço, aquele som da campainha fez o casal quase engasgar. Para o espanto deles, logo em seguida que abriram a porta, não encontraram ninguém tocando a dita campainha.
Aí foi aquele desespero, chamaram um padre, chamaram um pastor, chamaram um pai de santo, contrataram um vigia que saiu correndo quando a campainha soou sem que houvesse alguém pressionando o botão. A casa do seu Nenê virou um “bafafá”. Foi aí que alguém teve a ideia de contratar um detetive que dizia também ser conhecedor de ciências ocultas.
O “cara” não pensou duas vezes, chamou um técnico e mandou instalar câmeras de circuito interno de televisão em toda a casa, desde o telhado.
Resultado, o mistério foi resolvido — não havia nenhum fantasma do tipo que arrasta correntes nos filmes de terror, do tipo “Zé do Caixão” (José Mojica Marins).
Era um casal de ratos que havia feito o seu ninho num dos cantos do forro da casa, bem em cima de uma das dobras dos fios da campainha. Quando um deles pisava em cima, onde começava a dobra dos fios, eles balançavam triscando um no outro, justamente na parte onde já estavam descascados, fazendo soar a campainha.
Este não é como um dos contos extraordinários de Edgar Allan Poe — são casos verídicos que ocorreram e que resolvi registrar, para mostrar que muitos dos mistérios ou acontecimentos ditos espirituais ou paranormais, podem ser explicados à luz da razão. Isto não quer significar que as coisas espirituais não existam, nem que eu esteja lançando um ceticismo avassalador às pessoas. Mas nem tudo pode ser levado ao exagero como se fosse um dos filmes com o Freddy Krueger.
Que susto você passou...interessante que quando éramos crianças o rio parecia ser enorme e hoje vejamos tão pequeno, creio que a ilusão de ótica é mais acentuado na infância...também levei susto e mais sustos... que tinha pesadelos ao dormir... e hoje com a televisão mesmo com os desenhos animados as crianças não acreditam...tudo mudou e acabou aquela fantasia linda e feliz. Abraço Fraterno - Cicero de Souza Gomes
ResponderExcluirTirando os sustos de quando passa o olhar rápido por algum lugar e ve algo estranho, mas assim que volta o olhar, percebe que não passa de uma sombra ou uma tolha estendida. Não lembro de sustos maiores, parecidos com o que você contou.
ResponderExcluirLembro de quando eu era criança, dos sustos quando eu acordava de madrugada, do medo de ir no banheiro de noite, sair da cama e acender a luz do quarto dando apenas 1 passo por achar que tinha algo embaixo da cama. Quero ouvir alguém falar, sem mentir, que não passou por isso. kkkk
Com o seu comentário no último parágrafo, eu lembrei do conto "O Gato e o Guro" (http://www.orbum.org/o-gato-o-guru) que fala do valor que as pessoas dão a coisas que não passam de simples acontecimentos.