segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Qual é a vantagem ser caridoso?


Luiz Carlos Nogueira

nogueirablog@gmail.com



Recebi um e.mail de um amigo, que não tenho autorização para revelar o nome, com o seguinte questionamento que acabei aproveitando para fazer este artigo. Eis o teor do e.mail:




A pergunta abaixo foi feita por uma amiga minha. Eu ainda não respondi, mas repasso porque achei interessante e gostaria de saber a opinião.

Para você, faz sentido essa pergunta? Se sim, tem uma resposta?

"Essa semana, antes de dormir, sapecou uma questão na minha cabeça .. e eu perdi muito tempo pensando nela. Aí quero saber o q vcs pensam também.

Sem dogmatismos e pré-conceitos. Tentem esquecer todos as impressões formadas até agora e de modo racional desenvolver o tema.

Por que devemos praticar a caridade e ajudar os semelhantes?

**caridade no sentido de fazer algo EXCLUSIVAMENTE em benefício do outro, sem pensar que isso pode voltar pra vc, seja por que via for. Ou pq ser ajudado é legal.

**Excluindo totalmente o "eu" da equação e ficando só o outro -> Então qual a vantagem em ser caridoso?"

ESTA É A MINHA RESPOSTA


Meu amigo "incógnito", primeiro tenho que lhe dizer que possuo uma admiração por você, por ser uma pessoa de boa índole e que não obstante seja muito jovem, tem uma postura de honestidade, boa-vontade, dedicação ao trabalho é também educado e além do mais tem espírito perquiridor. É bom termos amigos assim. De tal sorte vou expressar o que penso sobre a questão proposta:


Ca.ri.da.de (substantivo feminino), tal como define os nossos dicionários, no sentido corriqueiro, significa:

“1 Ação ou resultado de fazer o bem a quem necessita.: (Fez uma caridade ao doar os alimentos.)

2 Sentimento e atitude de apoio aos necessitados: Demonstrava caridade em seu trabalho social.

3 Ajuda ou doação em favor de pessoas necessitadas.”


Assim, o sentido da palavra “caridade” aparenta-se vazia. Me parece um vocábulo quase desprovido de sentido se não considerarmos as razões de ordem religiosa e filosófica, para situarmos em nossa resposta.


Por exemplo: um cristão pratica a caridade em nome de Deus, porque acredita na Bíblia que justifica esse seu tipo de ação. Assim é que podemos dizer que o cristianismo (se as pessoas são verdadeiras e honestas em sua crença) influencia tal modo de agir. Aliás, todas as religiões, em princípio, estão voltadas, apesar dos seus dogmas e suas verdades — para a prática do bem. Seus seguidores praticam-no, ou por estarem imbuídos desse espírito religioso ou por medo do castigo eterno post-mortem. A meu ver esta segunda hipótese não autoriza dizer que isso é caridade — é medo. A pratica da caridade tem que ser espontânea e sem esperar nada em troca.


Cristãos espíritas, católicos e evangélicos praticam a caridade por tomarem-na como uma obrigação bíblica, ou por medo das conseqüências de não praticá-la:


(Essa advertência também está no capitulo XV do Evangelho Segundo O Espiritismo, de Allan Kardec, que não difere da Bíblia CristãFora da caridade não há salvação)


“Ora, quando o filho do homem vier em sua majestade, acompanhado de todos os anjos, sentar-se-á no trono de sua glória; - reunidas diante dele todas as nações, separará uns dos outros, como o pastor separa dos bodes as ovelhas, - e colocará as ovelhas à sua direita e os bodes à sua esquerda.


Então, dirá o Rei aos que estiverem à sua direita: vinde, benditos de meu Pai, tomai posse do reino que vos foi preparado desde o princípio do mundo; - porquanto, tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber; careci de teto e me hospedastes; - estive nu e me vestistes; achei-me doente e me visitastes; estive preso e me fostes ver.


Então, responder-lhe-ão os justos: Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer, ou com sede e te demos de beber? - Quando foi que te vimos sem teto e te hospedamos; ou despido e te vestimos? - E quando foi que te soubemos doente ou preso e fomos visitar-te? - O Rei lhes responderá: Em verdade vos digo, todas as vezes que isso fizestes a um destes mais pequeninos dos meus irmãos, foi a mim mesmo que o fizestes.


Dirá em seguida aos que estiverem à sua esquerda: Afastai-vos de mim, malditos; ide para o fogo eterno, que foi preparado para o diabo e seus anjos; - porquanto, tive fome e não me destes de comer, tive sede e não me destes de beber; precisei de teto e não me agasalhastes; estive sem roupa e não me vestistes; estive doente e no cárcere e não me visitastes.


Também eles replicarão: Senhor, quando foi que te vimos com fome e não te demos de comer, com sede e não te demos de beber, sem teto ou sem roupa, doente ou preso e não te assistimos? - Ele então lhes responderá: Em verdade vos digo: todas a vezes que faltastes com a assistência a um destes pequenos, deixastes de tê-la para comigo mesmo.


E esses irão para o suplício eterno, e os justos para a vida eterna. (S. MATEUS, cap. XXV, vv. 31 a 46.)”


E isso não é diferente para os mómons (Livro de Mórmon):


Por exemplo, em Morôni 7:46-47, está escrito: "Portanto, apegai-vos à caridade, que é, de todas, a maior, porque todas as coisas hão de falhar - Mas a caridade é o puro amor de Cristo e permanece para sempre" (Morôni 7:46-47).


Alma 34:28 (as orações não são respondidas, a menos que tenhamos caridade)


Por outro lado, mesmo considerando que o indivíduo seja um ateu, a caridade ou o altruísmo que ele pratica, não é senão um reflexo do seu próprio temperamento ou disposição da alma se assim podemos dizer. Ser ateu não significa ser psicopata, pois o psicopata não tem sentimento de humanidade. Para o psicopata não existe padrões de comportamento que envolvam compassividade, equanimidade, justeza, etc. — mas apenas o alto grau de egoísmo para satisfazer apenas a si próprio.


Se no mundo não tivesse pessoas sensíveis aos problemas de outras pessoas, então estaríamos vivendo no mundo só de feras — o que daí não seria muito apropriado dizer que fazemos parte da humanidade. Então seria o caso de que só se deve praticar a caridade, se se apegassem à logica de que se resultar ganho ou proveito para si próprio praticá-la?


Neste caso, se não houvessem pessoas que por decorrência da sua própria disposição da alma, que fossem sensíveis aos problemas humanos, e que só se apegassem à logica de que não há ganho ou proveito para si próprio em praticar a caridade, então estariamos vivendo num mundo de seres egoístas e psicopatas.


No campo da filosofia mesmo invocando a questão religiosa, podemos refletir sobre duas posições:


1ª- Mesmo os ateus ou céticos poderiam se dispor em eliminar a dúvida em favor da obediência aos conselhos religiosos, como por exemplo Pascal, há mais de 300 anos passados, disse que: "Você tem de apostar. Não é opcional. Você já está envolvido. Vamos pesar o ganho e a perda de apostar na existência de Deus. Façamos uma estimativa destas duas alternativas. Se ganhar, você ganha tudo. Se perder, não perde nada. Aposte, então, sem hesitação, que Ele existe."


Ora, pelo sim e pelo não, existindo Deus ou não – o melhor caminho é escolher a pratica do bem e da caridade. O que ganhamos na omissão? O mal pode se espalhar em proporções enormes até que um dia nós mesmos poderemos ser suas vítimas.


2ª- De certa forma este raciocínio pode parecer que se contrapõe ao primeiro, mas se bem refletirmos ele está na verdade consentâneo. Existe uma história religiosa na qual um rabino a quem perguntaram se é mais apropriado agir como se Deus não existisse. E ele respondeu: "Sim, pois quando pedirem a você que seja caridoso, você deve sê-lo como se não houvesse Deus a ajudar o objeto da caridade."


Ora, Bertrand Arthur William Russell, 3° Conde de Russell (18 de maio de 1872, Trellech, Monmouthshire, Gales - 2 de fevereiro de 1970, Penrhyndeudraeth, Gales) foi um filósofo, matemático e escritor britânico ateu, numa entrevista à a BBC gravou uma entrevista para o programa Face to Face, disse:


“Se vamos viver juntos, e não morrer juntos, devemos aprender um pouco de caridade e um pouco de tolerância, que é absolutamente vital para a continuação da vida humana no planeta”.


A meu modo de ver, penso que somente os seres inteligentes e por isso mesmo — sensíveis, podem independentemente de serem religiosos, praticarem a caridade sem perguntar se nela existe vantagem para si mesmo excluindo a humanidade, uma vez que ninguém é uma ilha que não dependa de outrem para sobreviver neste mundo. De tal forma que é desnecessário perguntar se existe vantagem em praticar o mal em vez de fazer o bem. Do contrário qual também seria a vantagem de viver, quando se pensa que não há um sentido para a vida?


Todavia, há quem diga na visão marxista, como Paul Lafargue, que :


[...] “A caridade cristã que apenas pede humildemente ao rico uma pequena parcela do supérfluo, é uma virtude que proporciona grandes benefícios, pois sem alterar os seus costumes, sem refrear os seus vícios, sem condenar os seus prazeres, sem exigir o menor esforço físico ou intelectual e sem grandes dispêndios, proporciona a satisfação moral de crêr-se um bemfeitor todo aquele que a pratica e de procurar-lhe o efeito social próprio de todo o acto generoso, garantindo-lhe, a baixo preço, um lugar reservado no paraíso, pois, segundo S. Pedro «a caridade apaga infinidade de pecados». "[...] A caridade é a cínica expectativa que corrompe o pobre, envilece a sua dignidade e acostuma-o a suportar com paciência a sua iníqua e miserável sorte.” “[...] A classe capitalista, que se desinteressa das causas da criminalidade que a civilização provoca, interessa-se, todavia, na repressão dos delitos e dos crimes, afim de proteger os seus membros contra as reivindicações individuais e anarquistas dos pobres. Os homens políticos, os moralistas e os filantropos têm-se dedicado a aperfeiçoar o regime penitenciário, e de tal forma o têm conseguido, que o seu desenvolvimento pode ser tomado como medida de civilização dum povo. Há um século, têm-se multiplicado os cárceres, os presídios e as colónias penitenciárias, importando-se dos Estados Unidos a espantosa prisão celular. A exploração burguesa não perde os seus direitos sôbre os presos, os quais constituem uma fonte de receita para os que fazem trabalhar e um meio de reduzir os salários do trabalho livre.


Não conseguindo a repressão brutal reduzir o número crescente dos criminosos que a sociedade capitalista forja, viu-se obrigada a imitar a Inglaterra de Isabel e estabelecer instituições de caridade, assistência pública, fatia de pão, hospitais que proporcionam aos estudantes e aos doutores meios de prática e de estudo, asilos que durante a noite limparam a rua de vagabundos perigosos para os passeantes, etc.... O medo é a mãe da caridade pública. Os burgueses puzeram em moda a caridade, quer praticando a filantropia a 6% com os alugueres operários, quer abrindo subscrições públicas em que tomam parte ou como méro passatempo. Para as senhoras do capitalismo, a caridade é um pretexto para intrigar em comissões organizadoras de festas deste género, para bailar, flirtear, comer pasteis e beber «champagne» nos bazares de caridade. Os pobres servem para tudo: — os senhores capitalistas tiram deles proveito, e prazeres as senhoras. Os pobres são, para êles, uma bênção do bom Deus. Só por Jesus ter dito: «haverá sempre pobres entre vós», creriam na sua divindade.


A classe capitalista que, sistematicamente, empobrece e desorganiza a classe trabalhadora, julga-se segura contra tôda a reivindicação colectiva, pela sua falta de coesão, pela sua miséria económica e fisiológica e pelos sabres e baionetas dos polícias e dos soldados. Porém, o admirável valor, a inquebrantável resistência e a formosa disciplina, da qual os trabalhadores têm dado prova em algumas grandes greves, que duram semanas e meses, são demonstrações inegáveis da energia indomável que vive latente nas massas do proletariado e que um acontecimento político ou uma crise económica geral pode despertar e desencadear.


A classe capitalista verá então quanto pesam na balança duma revolução social a polícia e o exército que protegem a sua dominação económica e política. O proletariado sublevado varrerá tôda a resistência, nacionalizará os meios de produção e estabelecerá a comunidade de bens. Então, como na época do comunismo primitivo, a humanidade não conhecerá a degradante caridade. Não haverá ricos para distribui-la, nem pobres para recebe-la.”

3 comentários:

  1. Oi Luiz Carlos, obrigado pelos elogios. Também admiro você. E um dos motivos de eu ser assim (ou tento ser), é por todo o bom exemplo que você passa para mim.

    Fiz certo de repassar essa pergunta, você fez um excelente artigo, com muita informação. Ja reli umas 4 vezes e em cada vez, percebi que aprendi algo que não tinha apredido anteriormente. A pessoa que fez essa pergunta e um outro amigo, elogiou o que você escreveu.


    Demorei para responder porque estava pensando e escrevendo a resposta. É uma pergunta complicada, difícil de tirar uma conclusão.

    Achei interessante essa pergunta, porque me fez pensar em algo que parecia tão simples de explicar. Em uma primeiro momento, fez eu ter um pensamento egoista, fazendo pensar em "porque eu vou ser caridoso sem ter algo em troca?".

    Acredito que a caridade é um trabalho que deve ser feito para continuar o trabalho de Deus. O "Auxilio Espiritual" da AMORC (http://www.amorc.org.br/auxilio.htm), é um bom exemplo. Como é ensinado, quem contribui para esse auxilio, não espera nada em troca. E eu, não acredito que algum rosacruz ofereça esse auxilio com segundas intenções.


    A verdadeira caridade é feita com um sentimento sincero. Se isso acontecer, naturalmente resultará em benefícios próprios.

    Ao pesquisar sobre esse assunto, separei duas frases, a primeira - "Deve-se doar com a alma livre, simples, apenas por amor, espontaneamente!" - Lutero - que fala sobre o sentimento que se deve ter ao fazer uma caridade, doação. E a segunda do dramaturgo francês Pierre Corneille - "A maneira de dar vale muito mais do que o donativo." - sobre um dos resultados da caridade para a sociedade.


    Independentemente de Deus existir ou não, vejo que a caridade é um trabalho que resulta na melhora para o "aqui, agora"(do momento presente). Podendo ser da alma, do coração, tanto o de si, como o do próximo. Ou exterior, que pode ser, o desenvolvimento social, de novos serviços, novas tecnologias, afinal, muitos gênios, por falta de condições, necessitam de ajuda, caridade das pessoas para desenvolver o que tem a capacidade de fazer.

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  2. Correto é este o texto que comentei e o meu comentário não saiu, mas vou comentar novamente. - CARIDADE - foi criada pela Igreja Católica e mais tarde os demais ramos descendentes do CATOLICISMO que são nossos irmãos PROTESTANTES, aproveitaram das passagens bíblicas que certamente foram manipuladas na VULGATA LATINA para que a IGREJA pudessem adquirir o patrimônio que têm a custa dos fiéis... Ex. "VENDE TUDO E SIGA-ME" disse Jesus, e não só nesta passagem como outras e outras, a Igreja soube como usar a CARIDADE. Depois vem o sistema político outra encrenca para tirar proveito da palavra CARIDADE... para mim CARIDADE é primeiramente gostar da minha pessoa e depois dentro da minha própria consciência saber fazer CARIDADE e não imposição, dogma e lavagem cerebral ou emocional... sou dono de mim mesmo... Paz Profunda e TFA Cicero de Souza Gomes

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  3. Tiozão, muito legal o texto! Mas há na pergunta, e especialmente na última parte do texto (que fala da visão marxista da caridade) uma tremenda confusão de caridade com esmola ou com assistência material e financeira. Caridade, quando bem estudada e compreendida, não se confunde com filantropia, assistencialismo, esmola, ou até mesmo o dízimo das igrejas. Estas são apenas facetas do que pode ser manifestações externas de caridade - pode - pois como bem lembrou o Cicero no comentário acima tudo isso pode ser manipulado para fins particulares que nada tem a ver com a caridade. A caridade é o amor em ação, é o comportamento, a conduta para com os outros e para conosco mesmo. É acima de tudo um trabalho interior. Não tem nada a ver com simplesmente distribuir bens materiais, isso é uma idéia errada que nós temos. E há vários exemplos: tratar todos com educação e respeito, saber ouvir, ser cortês, gentil, dar palavras de conforto, doar o seu tempo, o seu trabalho, a sua energia, o seu carisma, sua alegria, o seu conhecimento, visitar doentes, dar apoio, consolar etc, E quanto a essa questão de não receber nada em troca, na verdade, se refletirmos bem, tudo na vida é uma troca e em tudo se estabelece uma conexão. A famosa lei de ação e reação por si só já justifica a caridade. É fácil perceber: quem nunca sentiu uma sensação incrível de bem estar logo após auxiliar alguém? Quando você ensina alguém, como professor por exemplo, você não percebe que aprendeu algo, que fixou mais aquele aprendizado? percebeu a troca? Isso é a verdadeira caridade, é ser útil, aprender junto, construir junto, participar de algo, criar conexões! E isso não acaba, nem mesmo no dia em que não houver mais os finaceiramente pobres como diz o texto marxista, porque a caridade é valor independente de carências materiais. E sempre se ganha algo ao praticá-la, principalmente se a intenção não for essa. Porque aí o que se ganha é imaterial, é o tesouro que a traça e a ferrugem não consome como diz a bíblia. Como disse uma vez um amigo meu: "se o malandro soubesse o quanto é vantajoso ser bom e honesto, ele seria bom e honesto só por malandragem"

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