sexta-feira, 16 de março de 2012

Você sabe exatamente o que significam as expressões: “Livre-Pensamento” e “Livre-Pensador”?


Muitas pessoas falam as coisas sem saber exatamente o que dizem. Muitas vezes ouvi alguém dizer que é um livre-pensador, mas frequenta igreja ou algum centro espírita ou seita religiosa.

Para explicar o significado das expressões “Livre-Pensamento” e “Livre-Pensador”, transcrevo trechos do texto do filósofo Bertrand Russell, publicado no livro “Ensaios Céticos”, (12º ensaio) tradução de Marisa Motta, para L&PM Editores, Porto Alegre, RS, 2010 (Coleção L&PM Pocket;657):

Começaremos tentando esclarecer o que para nós significa a expressão “livre-pensamento”. Essa expressão tem dois sentidos. No sentido mais restrito, denota o pensamento que não aceita os dogmas da religião tradicional. Assim, um homem é um “livre-pensador” se não for cristão, muçulmano, budista ou xintoísta, ou membro de quaisquer outras instituições que aceitam alguma ortodoxia herdada. Nos países cristãos, um homem é um “livre-pensador” quando não acredita em Deus, embora isso não seja suficiente para tornar um homem ‘livre-pensador’ em um país budista.

Não quero minimizar a importância do livre-pensamento nesse sentido. Sou um dissidente de todas as religiões conhecidas e espero que todas as crenças religiosas desapareçam. Não creio que, em última análise, a fé religiosa tenha sido uma força positiva. Apesar de estar preparado para admitir que em determinadas épocas e lugares ela obteve bons resultados, considero esse fato como pertencente aos primórdios da razão humana e a um estágio de desenvolvimento que agora estamos amadurecendo.

Quando dizemos que algo é “livre”, nosso significado não é preciso, a menos que possamos descrever de que é livre. Qualquer que seja ou quem quer que seja “livre” não está sujeito a uma certa coerção externa e, para se exato, devemos explicar esse tipo de coerção. Por conseguinte, o pensamento é “livre” quando está liberto de determinados tipos de controle externo que estão com frequência presentes. Alguns desses controles que devem estar ausentes para que o pensamento seja “livre” são óbvios, mas outros são mais sutis e elusivos.

Iniciaremos pelos mais óbvios: o pensamento não é “livre” quando acarreta penalidades legais manter ou não certas opiniões, ou exprimir a crença pessoal ou a ausência dela em determinados assuntos. Mas pouquíssimos países no mundo têm esse tipo elementar de liberdade. Na Inglaterra, sob as leis da blasfêmia, é ilegal expressar a descrença da religião cristã, embora na prática a lei não seja aplicada a pessoas abastadas. É também ilegal ensinar o que Cristo pregou em relação à não resistência. Portanto, qualquer pessoa que não queira se tornar um criminoso deve professar sua concordância quanto à pregação de Cristo, mas deve evitar dizer em que consiste esse ensinamento.[...]

É evidente que a condição mais elementar para o pensamento ser livre é a ausência de penalidades legais para a expressão de opiniões. Contudo, nenhum grande país atingiu esse nível, embora muitos pensem que o alcançaram. As opiniões que ainda são perseguidas vão de encontro à maioria como tão monstruosas e imorais que o princípio geral de tolerância não pode ser aplicado a elas. Mas isso é exatamente o mesmo ponto de vista que deu origem às torturas da inquisição. Houve época em que o protestantismo era visto da mesma forma maligna com o bolchevismo é agora. Por favor, não infira a partir dessa observação que eu sou protestante ou bolchevique.

Entretanto, as penalidades legais no mundo moderno são os obstáculos à liberdade de pensamento. Os dois grandes obstáculos são as penalidades econômicas e a distorção da evidência. É claro que o pensamento não é livre se a manifestação de certas opiniões impossibilitam uma pessoa de ganhar seu sustento. Também é evidente que o pensamento não é livre se todos os argumentos de um lado da controvérsia são sempre apresentados de modo tão atrativo quanto possível, enquanto os argumentos do outro lado só podem ser descobertos mediante uma procura diligente. Esses obstáculos existem em todos os grandes países que conheço, exceto na China, que é (ou foi) o último refúgio da liberdade. São esses os impedimentos aos quais me dedicarei — sua magnitude atual, a probabilidade de sua expansão e a possibilidade de redução.

Podemos dizer que o pensamento é livre quando ele é exposto a uma competição liberada entre crenças, ou seja, quando todas as crenças possam se manifestar, e não haja vantagens ou desvantagens legais ou pecuniárias associadas a elas. Isso é um ideal que, por várias razões, jamais será plenamente alcançado. Mas é possível aproximar-se bem mais dele do que fazemos hoje.

Três incidentes em minha vida servirão para demonstrar como, na Inglaterra moderna, as balanças inclinam-se a favor do cristianismo. O motivo para essa menção deve-se ao fato de que muitas pessoas não percebem as desvantagens às quais o agnosticismo declarado ainda expõe os seres humanos.

O primeiro incidente pertence a um estágio muito preliminar da minha vida. Meu pai era um livre-pensador, porém morreu quando eu tinha apenas três anos de idade. Desejando que eu não fosse criado em meio a superstições, ele indicou dois livre-pensadores como meus guardiões. No entanto, os tribunais revogaram seu testamento e decidiram educar-me na fé cristã. O resultado foi desapontador, porém não por culpa da lei. Caso meu pai tivesse dado instruções para que eu fosse educado como um “cristadelfiano”, um “muggletoniano”, ou na Igreja Adventista do Sétimo Dia, os tribunais não teriam feito objeção. Um pai tem o direito de estatuir que qualquer superstição imaginável possa ser instilada em seus filhos após sua morte; mas não tem o direito de dizer que eles devem ser mantidos livres do misticismo, se possível.

O segundo incidente ocorreu em 1910. À época desejei candidatar-me ao parlamento, como um liberal e os Whips recomendaram-me a um certo constituinte. Dirigi-me à Associação Liberal que se manifestou de modo favorável, e minha aceitação parecia certa. Mas, ao ser questionado por um grupo de líderes políticos do mesmo partido, admiti que era agnóstico. Quando perguntaram se o fato poderia vir à Luz publicamente, repliquei que seria provável que sim. Indagaram se eu estaria disposto a freqüentar a igreja algumas vezes e eu respondi que não. Como conseqüência, eles selecionaram outro candidato, que devidamente eleito, permanece no Parlamento desde então, e é membro do governo atual (1922).

Logo após, ocorreu o terceiro incidente. Fora convidado pelo Trinity College para tornar-me um conferencista, mas não um membro. A diferença não é pecuniária; é que um membro tem direito de manifestar sua opinião em questões administrativas do College, e não pode ser dispensado durante o prazo de sua afiliação, exceto por um ato de grave imoralidade. A razão pela qual não me ofereceram o posto de membro deve-se ao fato de que o partido clerical absteve-se do voto anticlerical. O resultado é que fui demitido em 1916. Se dependesse de minhas conferências teria morrido de fome.

Esses três incidentes ilustram diferentes tipos de desvantagem referentes ao livre-pensamento declarado [...]. O resultado evidente é que as pessoas não abastadas não ousam ser francas em relação às suas crenças religiosas.[...]

Dan Barker define “livre-pensador” (S.m), como aquele que pensa livremente em matéria religiosa, só aceitando as doutrinas que se conformam com sua razão, independentemente de tradição, autoridade ou crenças. Entre os livres-pensadores incluem-se os ateus, agnósticos e racionalistas.

Ninguém pode ser um livre-pensador se exige conformidade com a bíblia, credo ou messias. Para um livre-pensador a revelação e a fé são inválidas, e a ortodoxia não é nenhuma garantia da verdade.

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