quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

O peregrino que encontrou a morte apenas para não cortar o bigode


 

 


 

 





Luiz Carlos Nogueira





Conta-se que dois indianos, um jovem e forte e o outro já idoso, encontraram-se casualmente pelo caminho por onde peregrinavam.

O idoso possuía um enorme bigode que nunca raspou desde que começou a nascer debaixo do seu nariz. Porque não dizer que nos dias de hoje poderia até ter entrado para o antigo Guinness Book of Records (atualmente: Guiness World Recods)

Pois bem, o idoso tinha o extremo cuidado com o seu grande bigode, durante o tempo todo da sua peregrinação em busca da sabedoria e de Deus. Tanto era o seu, digamos, amor pelo seu bigode, que o jovem lhe perguntou: por qual razão tens esse bigode tão longo que te causa muito trabalho para cuidá-lo?

Ora! Disse o quase ancião, convicto: E por que tu me aborreces com essa pergunta? Não sabes que ele é a testemunha das minhas penosas provas, pelas quais venho passando? Que ele simboliza toda a sabedoria que já adquiri?

Ao que disse o rapaz, como se fora um genuíno mineiro, embora fosse indiano: Uai?! E quem pode afiançar que o tamanho do teu bigode corresponde à tua sabedoria?

Mas o peregrino idoso, demonstrando arrogância redarguiu: Cala-te, tu és muito jovem e nada sabes dessas coisas! Ser-te-á proveitoso se assim o fizeres, pois poderás então me acompanhar se quiseres aprender alguma coisa!

Percebendo que de nada adiantaria replicar, o jovem resolveu seguir o idoso silenciosamente, adentrando por uma floresta.

Mas eis que de repente, no meio da estrada havia um grande buraco coberto pelas folhagens. O idoso precipitou-se no vazio ficando preso por um lado do seu grande bigode, na fenda de um ressecado tronco de árvore quebrado. Vendo que o idoso só poderia ser salvo se desembaraçasse o seu bigode do referido tronco, o jovem peregrino estendeu-lhe a mão entregando-lhe uma faca, dizendo para que o mesmo lhe desse as mãos e cortasse o bigode, para se salvar.

Mas, categórico e irado o idoso peregrino recusou a fazer o que o jovem lhe havia proposto, dizendo-lhe: Que dizes óh infiel!? Esqueceste de ele (o bigode) é a prova do que já conquistei?

Logo em seguida, ouviu-se um estalo e o velho tronco de árvore soltou-se levando consigo o velho peregrino para o fundo do buraco, onde se quebrou todo e morreu.

Dizem que é comum os Mestres Ascensos da Grande Loja Branca (como se houve falar por aquelas bandas), costumavam observar esses peregrinos que buscavam a iluminação. Dessa forma o “Mestre X” que acompanhou todo o movimento cármico da dupla (no qual ele não pode interferir), manifestou-se dizendo ao jovem peregrino: Não te culpes e nem te inquietes pela estultice do teu companheiro de caminhada, pois a ti pode ser conferida uma nobre honra!

Mas, “Mestre X”, não posso entender o que me estás dizendo!

Ora, meu jovem! Apesar de muito novo, acabaste de aprender como os seres humanos que dizem estar na busca da iluminação, da sabedoria e de Deus, podem trocá-las pelas tolas conquistas da senda. O que era afinal um bigode para não ser cortado em troca da vida? Afinal o que ele representava não era nada menos do que a vaidade, a presunção e a ilusão da sua própria grandeza, porquanto tudo quanto se conquista no caminho para buscar a Deus — não é Deus. A iluminação sim, leva à sabedoria, e a sabedoria leva a Deus.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Mestre como faço para tornar-me um santo?












Luiz Carlos Nogueira











Lembro-me de um pequeno conto alegórico, porém não do nome do autor ou se era um texto anônimo, mais ou menos assim: tratava-se de um discípulo que reclamava para o seu mestre, perguntando-lhe ao mesmo tempo, o que ele deveria fazer para se tornar um santo mais rapidamente, já que ele tinha feito voto de pobreza e vivia enclausurado, tinha apenas uma túnica branca, fazia prolongados jejuns e quando comia a sua ração, nunca a consumia toda, dormia no chão, muitas vezes ao relento, sem nenhum forro e travesseiro, castigava o corpo com um cilício, ou seja, fazia coisas que nem o diabo se sentia bem de ver.


O mestre chamou-lhe para perto de uma janela de onde podia avistar um pátio mais abaixo, E então disse ao discípulo: vês lá embaixo, aquele cavalo branco magro? Pois bem, ele também faz um enorme esforço puxando uma carroça com muitas coisas extremamente pesadas em cima, leva muitas chibatadas do seu dono, não bebe água quase o dia inteiro enquanto puxa a carroça, come uma ração muito pobre e pouca. Ao final do dia é recolhido naquele pequeno terreno onde fica fechado até ao amanhecer quando recomeça todo o seu suplício. Durante a noite rola no chão porque lhe dói a barriga e por causa das suas dores musculares, que tenta aliviá-las — mas nem por isso ele se tornou um santo. O que é pior ainda, é que se você chegar perto e descuidadamente assustá-lo, ele pode lhe dar um coice capaz de lhe quebrar os ossos.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

O homem que não prestou atenção às mensagens da vida - Um conto extraído dos ensinamentos budistas
















Certa vez, Yama, o lendário rei das Trevas, chamou um homem que, em vida, agira mui pecaminosamente, e lhe perguntou se, durante a sua vida, encontrou três mensageiros do céu. O homem lhe respondeu: “Não, meu senhor, eu nunca encontrei tais pessoas”.

Yama perguntou-lhe se havia encontrado uma pessoa idosa, vergada pelos anos e andando com uma bengala. O homem replicou: “Sim, meu senhor, encontrei pessoas assim, freqüentemente”. Então, Yama lhe disse: “Você está sofrendo este castigo, porque não reconheceu naquele velho um mensageiro do céu, enviado para adverti-lo para que mudasse rapidamente seu modo de agir antes que se tornasse também um homem velho”.

Yama perguntou-lhe, novamente, se já havia visto um homem pobre, doente e sem amigos. O homem lhe respondeu: “Sim, meu senhor, eu vi tais homens”. Então, Yama lhe disse: “Você se encontra agora neste lugar, porque não reconheceu nestes homens doentes os mensageiros do céu, enviados para adverti-lo sobre sua própria doença.

Uma vez mais, Yama lhe perguntou se já havia visto um homem morto. O homem retrucou: “Sim, meu senhor, muitas vezes, estive na presença dos mortos”. Yama lhe disse: “Você aqui se encontra, porque não reconheceu nos mortos os mensageiros do céu, enviados para adverti-lo sobre seu próprio fim. Se tivesse reconhecido estes mensageiros e obedecido às suas advertências, você teria mudado seu curso e não precisaria vir a este lugar de sofrimento”.


Texto extraído do Livro “A Doutrina de Buda”, ofertado pela:

Fundação Educacional e Cultural Yehan Numata 
Mitutoyo Sul América Ltda. 
Av. João Carlos da Silva Borges, 
CEP 04726-002 1240, 
CX. Postal 4255, Santo Amaro, 
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Sociedade para a Promoção do Budismo 

Bukkyo Dendo Kyokai 
3-14, 4-chome 
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Tokyo 108-0014 Japão 
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quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

O Homem que podia voar enquanto meditava – Pequeno conto metafórico








Luiz Carlos Nogueira




Posso voar enquanto relaxo e medito. Vou a qualquer lugar e a qualquer país, gabou-se um presunçoso homem enquanto tomava cerveja, sentado à mesa de um bar.

Ora, disseram seus amigos: se isso é verdadeiro, então por que você gasta dinheiro com passagens de avião?

Pois bem, respondeu ele: eu faço isso para que outros não se choquem comigo no espaço, afinal os aviões podem contar com os controladores de vôos.


Prezado leitor, se você conhece ou é detentor de direitos autorais sobre a imagem postada neste meu blog, por favor me informe, para que eu possa solicitar a autorização para a divulgação ou proceder a imediata remoção.



terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

O Caminho da Sabedoria – Diálogo entre Mitra e Zoroastro




Uma vez foi visitar o célebre sábio persa, Zoroastro, um dos seus amigos dos tempos da juventude, de nome Mitra. Depois de se abraçarem e saudarem, perguntou o sábio:

- Que é o que te conduz a mim, querido amigo? Feriu-te, por acaso, o mundo e desejas fortalecer-te ao lado do companheiro da tua juventude ? Ou vens trazido pela curiosidade de veres pessoalmente o que há de verdade das coisas que o povo conta a meu respeito?

Respondeu Mitra:

- Tu mesmo te referes à causa da minha vinda; não te ofenderá, portanto, a minha sinceridade.

Interesso-me por ti e pela tua sorte; e decidi vir para ver quem tem razão: se aqueles que afirmam que chegaste ao conhecimento dos segredos da Natureza, tornando-te sábio, ou aqueles que dizem que és charlatão, que abusas da ignorância da multidão, a fim de seres considerado homem célebre.

Alegra-me que fales sinceramente – disse Zoroastro. – Mas qual é a tua própria opinião a meu respeito ?

Confessou Mitra:

- Ainda não a formei. Se é verdade que os outros afirmam, que és iluminado pela luz da Sabedoria, quero pedir-te que comigo comparti-lhes a tua felicidade; se, porém, tem razão os que falam mal de ti, desejo tentar desviar-te do meu caminho e conseguir que voltes a ti mesmo e a senda da virtude.

Comovido e entusiasmado, tomou Zoroastro pela sua a mão do amigo e lhe disse:

- Abençoada a hora que te trouxe a mim; e sete vezes abençoada, se tens a força e coragem de aproximar-te da Luz, de quem unicamente emana a vida, a felicidade e a sabedoria.

- Como? – exclamou o amigo. – Quererias introduzir-me no teu templo, que com tanto cuidado fechas a outros?

Contestou Zoroastro:

- O meu templo é a Natureza, e, nem que eu quisesse, o que seria loucura, não poderia nunca fecha-lo a pessoa alguma.

- Porém contam muitíssimos casos que repeles àqueles que desejam aprender de ti alguma coisa.

Perdoa-me se te digo o que penso. Se conseguiste conhecer a Sabedoria Superior – suponho que ela existe – por que a ocultas? Por que não a expões claramente ao povo, mas encobres a Verdade com véus de enigmas, alegorias e símbolos, que raras vezes um de muitas centenas de homens pode solver e compreender?

- Falas, Mitra, como todos aqueles que não tem idéia exata do assunto. De que utilidade ser-te-á, se te expuser o perfume de uma flor ? Poderás, de tal exposição, sentir esse perfume e conhecer a flor?

De que te servirá se te descrever um banquete? Servir-te-á a minha descrição para matares tua fome? Analogamente, como posso fazer que alguém conheça a Sabedoria, se ele se recusa a procura-la? Há Sabedoria morta e Sabedoria viva. A Sabedoria morta nos vem dos livros, das narrações, dos cálculos, das medições e considerações. Esta Sabedoria pode nos ser dada e pode nos ser tomada. Mas a Sabedoria Viva emana da eterna Fonte da Vida, dessa Fonte que, uma vez aberta, nunca desaparece e sempre nos fornece bases imperecíveis para nossas construções no domínio da Razão. Porém, é impossível explicar e ensinar esta Sabedoria; é mister apropriar-nos dela sim como nos apropriamos do perfume da flor ou da comida; ou melhor dito, é mister que a despertemos em nós, assim como, pelo perfume, da flor, se desperta em nós o sentido do olfato. Vês como é difícil dar uma explicação, mesmo geral. E quando se passa às minuciosidades, a dificuldade cresce, pois a nossa linguagem é demasiado pobre e o nosso ouvido é demasiado cru para essas coisas tão delicadas. È necessário procurar e achar a Sabedoria em si mesmo; outro caminho não conduz a ela.

Mas espero que tudo isso se torrne mais claro se quiseres acompanhar-me na minha ida à maravilhosa Fonte que existe lá, nas montanhas que daqui se pode avistar.

E, dizendo isso, Zoroastro apontou além de uma serra, ao Oriente, duas montanhas mais altas, e continuou:

- Lá, entre aquelas duas montanhas elevadas emana uma Fonte que contém qualidades maravilhosas; purifica o coração, dissipa as evaporações e névoas que se acumularam na cabeça e na mente, e retira de nós a impureza das grandes cidades e as fuligens que a fumaça do mundo depositou em nosso interior. Depende de ti querer acompanhar-me até lá. Daqui a algumas semanas mostrarei o caminho que conduz a essa Fonte, há alguns que desejam conhece-la e com sua água se saciar. Verás, então, como sou liberal na distribuição da minha doutrina, como também te convencerás que pouquíssimos são os que, verdadeiramente e com seriedade, almejam atingir a verdadeira Sabedoria.

E Zoroastro foi preparando o seu novo discípulo para a viagem. Quando chegou o dia determinado, reuniram-se setenta discípulos ao redor do Mestre, para ouvirem ainda alguns conselhos relativos a viagem. Dando-se fraternais abraços, prometeram eterna fidelidade à Sabedoria, e puseram-se a caminho, separadamente, cada um escolhendo o caminho que mais lhe agradava: um a estrada larga e outro um caminho estreito; um em companhia de um amigo, outro sozinho; um preferia o campo, outro o bosque. Não caminharam em grandes grupos, para não chamarem a atenção do povo, porque a Sabedoria não quer, se a procuramos, ser objeto de conversações e críticas das multidões.

Quando os viajantes tinham caminhado desta forma durante três dias, reuniram-se todos numa grande cidade, onde floresciam o comércio, as ciências e as artes, e onde existiam numerosas instituições de educação, asilos e hospitais, como atestados do amor da cultura e humanidade dos seus cidadãos. De todos os países, ali se reuniram muitas pessoas, para observarem e estudarem os sistemas políticos, sociais, humanitários, e educacionais dessa cidade, considerados superiores aos demais conhecidos. O fato mais admirável, porém, era o de já haver ali a água da fonte da Sabedoria, embora apenas imitada; pois os químicos haviam estudado a composição natural da água genuína da dita fonte e conseguiram compor uma imitação, que os peritos consideravam tão boa, e talvez até melhor do que a fonte da montanha.

Muitos dos discípulos de Zoroastro encontraram ali seus conhecidos, outros formaram novas amizades; assim, aconteceu que, após três dias, devendo continuar a viagem, sentiram-se tristes por se despedirem dos amigos; alguns decidiram ficar, pois haviam provado daquela água e, apesar de ser apenas uma imitação da água verdadeira, acharam-na muito gostosa e não sentiram mais vontade de procurar a verdadeira fonte.

Depois de outros cinco dias de viagem, durante os quais não encontraram lugares importantes, mas sim alguns lugarejos que apenas ofereciam divertimentos e gozos sensuais, os discípulos de Zoroastro que ainda continuavam a peregrinação, chegaram a uma cidade que excedia a anterior, tanto na grandeza, como no progresso. Ao se reunirem os viajantes, perceberam que novamente alguns companheiros haviam ficado para trás, atraídos e seduzidos pelos gozos e divertimentos encontrados no lugar acima mencionado. Alguns tinham encarregado seus condiscípulos que os desculpassem alegando necessidade de descanso e prometendo seguir viagem logo depois de renovarem as forças. Ouvindo isso, Zoroastro chamou a atenção dos presentes para os perigos que o discípulo encontra ao procurar a Sabedoria nas atrações das ilusões sensuais e admoestou os companheiros para que não perdessem a coragem de combater tais ilusões.

A cidade onde agora se achavam era um quase paraíso das ciências e das artes. Ali soavam todos os nomes célebres; as riquezas locais; lindíssimos jardins, edifícios majestosos, danças, cantos, esportes, jogos, lutas e festas divertiam os estrangeiros. Todos os talentos estavam agindo e recebiam suas recompensas. E, o que era mais admirável, vendia-se ali, por preço elevado a água da sabedoria, recolhida da própria fonte; mas não era pura; porque, para fazer dela um verdadeiro néctar, misturavam-lhe partículas de sabedoria de outros lugares.

- Esta é a verdadeira água da sabedoria – clamava o vendedor – a sua composição é a maior e a mais sublime arte e o mais profundo segredo. Zoroastro mesmo tem se esforçado por descobrir este segredo e não o conseguiu, pois aqui nada pode conseguir a razão humana; só a tradição fielmente conservada pelos adeptos, conservou a receita para o bem da humanidade.

Fácil é compreender que o vendedor dessa água fazia ótimos negócios, e até alguns dos companheiros de Zoroastro deixaram-se iludir, pois compraram e tomaram essa água, e julgaram-se desobrigados de continuar a viagem. Quando, no sexto dia se reuniram num lugar isolado a fim de prosseguirem em sua peregrinação, o número de discípulos havia diminuído sensivelmente.

Zoroastro exortou-os, com palavras sinceras, paternais e sérias, a que persistissem, vencendo obstáculos e ilusões, quaisquer que fosse sua forma. Parecia como se temesse que chegaria sozinho à fonte. Mas aqueles que ainda o acompanhavam prometeram que continuariam até chegar ao alvo de sua viagem, apesar de todos os obstáculos possíveis.

Depois de novos sete dias de viagem, entraram numa cidade vasta, porém diferente das anteriores; não havia ai nada que lembrasse divertimentos; tudo respirava serenidade e reflexão. Havia ali uma universidade, onde professores, uns sentados, outro parados de pé, outro passeando, enchiam as cabeças dos seus discípulos com os conteúdos de todos os livros e ensinamentos dos mestres eruditos de todo o mundo e de todos os séculos. Havia também um templo da sabedoria, onde era fornecida a água da maravilhosa fonte, e essa água era pura, genuína e sem mistura alguma. Era trazida diretamente, carregada em vasos especialmente fabricados para este fim, impermeáveis, para não se perder nem uma gota; e esses vasos eram lacrados com um selo, de que se afirmava que fora usado já por Enoque, para defender da morte corporal. Nestes vasos, debaixo do selo, ficava a água durante sete semanas, sete dias e sete horas, guardada para desenvolver as qualidades perfeitas que não podia manifestar – assim se dizia – na fonte e no momento em que era retirada. Essa água era vendida por um pequeno preço e aqueles que a bebiam aguardavam com paciência e esperança, o efeito prometido; e quando este se manifestava, ninguém tinha a coragem de confessar que havia sido iludido, porque não queria causar inimizades nem prejudicar a boa fama da água.

Depois de passarem ali sete dias, os viajantes continuaram a jornada. Faltavam ainda nove dias para chegarem a almejada fonte.

Depois de três dias, deviam novamente reunir-se todos num certo lugar.

Já estava pondo-se o Sol naquele dia e só quatro estavam no lugar designado. Zoroastro olhou o pequeno resto do séqüito e disse apenas:

- Vamos descansar.

No dia seguinte passaram por um riacho que caia de um rochedo.

- Vede! – Disse Zoroastro – Aqui está aquela água, cuja fonte procuramos. Daqui a tiram aqueles que a vendem na cidade que visitamos. Vamos adiante!

O caminho subia íngreme e em alguns lugares apenas as fendas das rochas serviam para se segurarem. Finalmente, os caminhantes chegaram ao lugar onde viram elevar-se nos ares dois altos montes, um à direita e outro à esquerda.

- Estes dois montes – explicou Zoroastro – formam o vale onde encontraremos nossa fonte. O caminho até lá é perigoso, e cada um de nós tem que passá-lo sozinho, para devidamente se preparar e provar que seriamente deseja beber dessa fonte da verdade. Quem, durante a viagem se deixou seduzir, bebendo da água imitada ou selada, ficou para trás, porque não suportaria o caminho. E, apontando a cada um dos quatro o caminho a seguir, afastou-se deles.

Então, os quatro acharam crítica a situação. Com surpresa olharam ao redor de si, e sentiram-se com pouca coragem de prosseguir. Finalmente um deles disse:

- Irmãos, avante! Não nos servirá a vacilação. Eu confio na proteção da Sabedoria, em cuja proximidade estamos e com coragem irei adiante. Desejo-vos êxito; tornaremos a ver-nos juntos à fonte.

E seguiu na direção que Zoroastro lhe havia apontado. O nome deste corajoso era Ali. Mitra também continuou a viagem, tendo adquirido mais energia com as palavras de Ali. Os outros que tinham provado da água milagrosa na cidade por onde ultimamente passaram, julgaram inútil prosseguir, e trataram de voltar. Assim, pois, só Ali e Mitra continuaram a viagem à fonte. Ambos tinham-se abstido de experimentar, nas ocasiões oferecidas, a água imitada ou selada; ambos estavam animados de um vivo desejo de alcançar a fonte da verdadeira, pura e livre água da sabedoria. E quem descreverá a alegria que ambos sentiram nos seus corações, quando, vindo um de um lado, e o outro do outro lado, ambos se encontraram, no dia seguinte num vale, diante de uma pirâmide, formada pela Natureza; no centro dessa pirâmide manava, de um triângulo de ouro, a mais pura, a mais clara água. E no mesmo instante, apareceu ao lado deles Zoroastro, abraçando-os e dizendo:

- Ao menos vós dois chegastes! Graças ao Dirigente do Destino! Mas, ainda não bebais desta água, tão pura. É preciso que vos prepareis dignamente, para que os seus efeitos vos sejam benéficos e duradouros.

E, umedecendo com a água da Sabedoria as testas dos dois companheiros, e dando-lhes frutas para que comessem, disse-lhes:

- Ainda por três dias terei que esperar-vos e a cada um lhe será dada uma tenda, e ali cada um deverá observar-se a si mesmo. Evocai os dias da vossa infância, vossa pura inocência. Unindo esses dias com o presente, esquecei todo o tempo que está entre essa infância e hoje. Elevai em seguida, os vossos pensamentos para o eterno futuro, para que o passado da inocência o presente e o futuro se unam num só pensamento e vos tornem dignos de receberdes a suprema consagração!

E, levando-os as suas tendas, recomendou a proteção da Eterna e Onipresente Divindade. Três dias depois estiveram novamente ao pé da pirâmide. Zoroastro encheu um cálice de água para cada um.

Ergueu o seu e bebeu, brindando ao passado ao presente e ao futuro. Os dois amigos seguiram o seu exemplo. Com sublime seriedade levantou os braços e pronunciou uma prece em nome de Aquele que sempre foi, que é e que será e disse:

- Está feito, caia o véu! Vós abandonastes a multidão mutável e elevaste-vos as regiões do que é imutável, onde não domina mais o acaso, mas onde reina a Verdade, e onde a claridade da Luz Eterna nos torna conhecidos às leis da Eternidade. Abençoada seja esta hora! Duas almas foram trazidas à Imortalidade! Abraçai-me, irmãos; continuaremos sendo irmãos. O Mestre é Um só e Ele vos conduzirá no futuro.

- Os três passaram mais alguns dias naquele lugar Sagrado. Depois saíram dali juntos e, sem dificuldade, alcançaram o lugar de sua partida e, quando Zoroastro chegou à sala de reuniões, eis que ali estavam reunidos todos os setenta discípulos, muito alegres que podiam agradecer ao Mestre a felicidade que encontraram na viagem. Zoroastro falou com amistosa seriedade e explicou como é fácil considerar como verdade uma ilusão. Exortou-os que evitassem toda ilusão e não se cansassem de procurar a Verdade, até encontrá-la. Depois de se despedirem, ficou com os dois companheiros vitoriosos, Ali e Mitra, e levou-os a sua casa e lhes disse:

- A vós nada mais tenho a ensinar. Conhecestes a Verdade e a sua fonte. Ide cada um pelo vosso próprio caminho, e, se encontrardes ouvidos capazes de vos ouvir e compreender, ensinai-lhes o modo de conhecer o Espírito. Que o vosso ensino seja calmo e dado em rodas de irmãos. Nunca pregueis vossas doutrinas nos lugares públicos, no movimento das massas nas lutas dos partidos nem onde se procura poder político, honras ou riquezas. Na arte dissolvente dos discursos públicos foge o espírito e, assim, o orador apresenta-nos um alimento que podemos perceber, mas não comer.

- E se não encontrarmos ouvintes – Perguntaram os dois amigos, – Que deveremos fazer?

- Então tomai por vosso modelo a fonte no deserto – respondeu Zoroastro -– Ela corre incessantemente e, se em um século matou a sede de um só viajante sedento, não ficou sem utilidade, e não fluiu em vão.


Fonte: Sociedade das Ciências Antigas:
 http://www.sca.org.br/contos/OCaminhoSabedoria.pdf


segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

À procura do Mestre Perfeito













Idries Shah [1], conta que certo dia um homem decidira procurar um mestre perfeito.

Para isso leu inúmeros livros, visitou todos os sábios que lhe indicavam, ouviu inúmeras preleções e executou todas as práticas que lhe recomendavam. Porém, esse homem estava sempre inseguro com muitas dúvidas que lhe assaltavam o espírito.

Assim, depois de 20 anos acabou por conhecer um mestre, do qual cada palavra e cada ação dele, indicavam que este seria um ser altamente evoluído e que, portanto, deveria tomá-lo como mestre.

Sem perder mais nenhum segundo, o buscador disse-lhe: o senhor parece-me ser um perfeito mestre e, sendo assim, se o for, então a minha busca terminou.

Ao que “Mestre!” lhe respondeu: pois é isso que dizem que eu sou.

Então o pretenso discípulo disse: então, já que assim é, aceita-me como seu discípulo.

O “Mestre” em seguida retrucou: não posso fazer isso! Pois enquanto você quer ter-me como seu “mestre perfeito”, eu só posso aceitar um “discípulo perfeito”.





[1] Shah, Idries. Sabiduria de los idiotas, cuentos de la Tradición Sufi, Editorial Edaf, Madrid, 1970 (o texto foi adaptado para o português, por este blogueiro)

domingo, 17 de fevereiro de 2013

O Homem que podia ver no escuro - Conto tradicional turco, "Contos de Nasruddin"


SAMA-O GIRO DERVIXE


"Posso ver no escuro," gabou-se Hodja Nasruddin, enquanto tomava chá, sentado em uma casa de chá.

"Se isso é verdade," disseram seus amigos, "por que às vezes vemos você carregando uma lamparina à noite?"

"Bem," ele respondeu, "Eu só uso aquela lamparina para evitar que as outras pessoas esbarrem em mim."


Este conto encontra-se na página da Internet da Ordem Jerrahi no Brasil (http://www.masnavi.org/jerrahi/Conto_da_Semana/conto_da_semana.html), ou seja, A Ordem de dervixes Halveti Jerrahi, que é uma Ordem Sufi tradicional. O site dessa Ordem pode ser acessado através destes links:



Ordem Jerrahi no Brasil
Sheikh Muhammad Ragip
celular:  (11) 9622 4155
fone/fax: (11) 2646 4166
email: 
arb.ragip@fs.com.br