segunda-feira, 28 de março de 2011

Você se considera um cristão ou uma cristã?


Por Luiz Carlos Nogueira

nogueirablog@gmail.com

Uma das coisas que eu considero fora dos propósitos cristãos, é quando estamos preenchendo algum formulário e nos deparamos com a costumeira pergunta: Qual é a sua religião?

Se não nos declaramos católicos apostólicos romanos, evangélicos, ou membro de qualquer outra religião cristã, logo passamos a ser olhados como ateus e até mesmo há aquelas pessoas ignorantes, preconceituosas e fanáticas, que chegam a dizer que nós não nos salvaremos (?) do fogo do inferno. Aliás, é oportuno dizer que isso também se aplica às outras religiões que olham como inimigos aqueles que pertencem a outros credos ou porque se proclamam ateus.

Pois bem, eu não sou ateu porque eu não penso que o universo e tudo quanto nele existe, principalmente a vida (vegetal, animal e humana), tenha se originado do nada, sem que houvesse uma causa primeira ou mente inteligente criadora, cuja existência está além da compreensão humana.

Ora, tanto as coisas criadas como a mente criadora (a que chamamos Deus) são inseparáveis, de sorte que uma pressupõe a presença da outra.

Mas e aí? Essas pessoas que agem dessa forma (que olham como inimigos aqueles que pertencem a outros credos ou porque se proclamam ateus. Que por isso não serão salvos) estão cumprindo os preceitos cristãos? É comum encontrarmos cristãos verdadeiros? Aqueles que estariam seguindo à risca os ensinamentos do Sr. Jesus? O que dizer, por exemplo, da história do jovem rico que desejava conseguir a vida eterna e foi ter-se com o Mestre de Nazaré?:

Eis a história retirada da Bíblia:

“E eis que se aproximou dele um jovem, e lhe disse: Mestre, que bem farei para conseguir a vida eterna? (Mt 19.16)”

“Respondeu-lhe ele: Por que me perguntas sobre o que é bom? Um só é bom; mas se é que queres entrar na vida, guarda os mandamentos. (Mt 19.17)”

“Perguntou-lhe ele: Quais? Respondeu Jesus: Não matarás; não adulterarás; não furtarás; não dirás falso testemunho; (Mt 19.18)”

“honra a teu pai e a tua mãe; e amarás o teu próximo como a ti mesmo. (Mt 19.19)”

“Disse-lhe o jovem: Tudo isso tenho guardado; que me falta ainda? (Mt 19.20)”

“Disse-lhe Jesus: Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; e vem, segue-me. (Mt 19.21)”

E o jovem fez o que Jesus lhe sugeriu? Claro que não, porque quase ninguém suporta o peso da doutrina de Jesus. Então não é fácil dizer-se cristão.

Já no Evangelho de Marcos está escrito que Jesus “chamando a si a multidão com os discípulos, disse-lhes: Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz, e siga-me. (Mc 8.34)”

E continuando o Mestre disse:

“Pois quem quiser salvar a sua vida, perdê-la-á; mas quem perder a sua vida por amor de mim e do evangelho, salvá-la-á. (Mc 8.35)”

“Pois que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua vida? (Mc 8.36)”

“Ou que diria o homem em troca da sua vida? (Mc 8.37)”

Ora, se refletirmos profundamente sobre esses ensinamentos, só alguém como São Francisco de Assis (refiro-me a ele com base no que se conta a seu respeito) seria capaz de renunciar a tudo para seguir as pegadas do Mestre.

Alguém já imaginou negando-se a si mesmo, tomando a sua cruz e seguindo a caminho do Cristo?

Honestamente eu acho difícil me classificar como um cristão, porque os ensinamentos do Mestre de Nazaré, são muito bonitos, mas não são fáceis de serem colocados em prática.

Outro ponto a considerar é quando Jesus disse:

“Eu, porém, vos digo que não resistais ao homem mau; mas a qualquer que te bater na face direita, oferece-lhe também a outra.” (Mt 5.39); e ao que quiser pleitear contigo, e tirar-te a túnica, larga-lhe também a capa” (Mt 5.40); “e, se qualquer te obrigar a caminhar mil passos, vai com ele dois mil” (Mt 5.41) “amai-vos uns aos outros como eu vos amei.” (Jo 15, 12).— Estes são outros ensinamentos que eu certamente não adotaria, caso algum bandido estuprasse e matasse minha mulher ou uma filha minha. Eu iria querer ver o criminoso na cadeia, você não? Do contrário essa unilateralidade de tratamento é impraticável.

O islamismo por sua vez ensina que:

"Jamais poderão equiparar-se a bondade e a maldade! Retribui o mal da melhor forma possível, e eis que aquele que nutria inimizade por ti converter-se em íntimo amigo.’’ (Alcorão Sagrado 41:34).

"E o delito será expiado com o talião: mas, quanto àquele que indultar (possíveis ofensas dos inimigos) e si emendar, saiba que sua recompensa pertencerá a Deus porque Ele não estima os agressores." (Alcorão Sagrado 42:40).

Para o islamismo a passividade diante do mal é indício de covardia, principalmente quando o que sofre o mal não é a nossa própria pessoa, mas uma outra. Assim submeter-se aos tiranos e opressões não traz bons resultados porque servirá de estímulo para aumentar o mal e o sofrimento humano. Os maus quando não sofrem o devido castigo são estimulados a explorarem e submeterem os outros aos seus caprichos e as suas sanhas, promovendo a desordem e a injustiça.

Seria realmente muito bom se os bandidos pudessem ser impedidos de praticarem o mal e cometerem injúrias e violências, por terem sido reabilitados com o emprego da compaixão e bondade. Mas casos assim, são raríssimos, porque como se costuma dizer “ passaram-lhes as mãos pelas cabeças” e por isso eles se tornaram mais atrevidos e ousados para continuarem causando mal às outras pessoas. De tal sorte só o castigo aplicado proporcionalmente aos crimes cometidos poderão ensinar.

Mas, voltando às práticas sugeridas por Jesus, o que dizer então de:

“Não julgueis, para que não sejais julgados (Mt 7.1)”.

Alguém já disse: Por acaso este princípio ou advertência é considerada nos tribunais dos países cristãos? Claro que não. Quantos não são os juízes que embora convictos de suas cristandades, acham que estão agindo de maneira contrária aos princípios cristãos? E os padres, os pastores, os rabinos, etc. por acaso agem de acordo com tais princípios? Eles não afirmam e reafirmam seu amor a Cristo e a Deus? Não acham eles que a Bíblia reflete a palavra de Deus? Então? Quantos padres, pastores, gurus, rabinos e outros religiosos já não estupraram ? Não acreditam eles que devem fazer a vontade do Pai que está nos céus?

Foi por essas e outras coisas que o Sr. Jesus predicou aos escribas e fariseus:

“Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque devorais as casas das viúvas e sob pretexto fazeis longas orações; por isso recebereis maior condenação.” (Mt 23.14)

“Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque percorreis o mar e a terra para fazer um prosélito; e, depois de o terdes feito, o tornais duas vezes mais filho do inferno do que vós.” (Mt 23.150

“Guias cegos! que coais um mosquito, e engulis um camelo.” (Mt 23.24)

“Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque limpais o exterior do copo e do prato, mas por dentro estão cheios de rapina e de intemperança.” (Mt 23.25)

“Fariseu cego! limpa primeiro o interior do copo, para que também o exterior se torne limpo.” (Mt 23.26)

“Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! porque sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora realmente parecem formosos, mas por dentro estão cheios de ossos e de toda imundícia.” (Mt 23.27)

“Assim também vós exteriormente pareceis justos aos homens, mas por dentro estais cheios de hipocrisia e de iniquidade.” (Mt 23.28)

“Serpentes, raça de víboras! como escapareis da condenação do inferno?” (Mt 23.33)

Friedrich Nietzsche fez uma advertência sobre o que é ser realmente cristão em seu livro “O Anti-Cristo”, que “[...] A palavra é já um equívoco; no fundo só existiu um cristão e esse morreu na cruz.

“É um erro elevado à estupidez ver na “fé”, e particularmente na fé na salvação através de Cristo, o sinal distintivo do cristão: apenas a prática cristã, a vida vivida por aquele que morreu na cruz, é cristã...”

“Hoje tal vida ainda é possível, e para certos homens até necessária: o cristianismo primitivo, genuíno, continuará sendo possível em quaisquer épocas... Não fé, mas atos; acima de tudo, um evitar atos, um modo diferente de ser.”

Portanto, para mim nada justifica as religiões guerrearem entre si, já que todas dizem buscar a Deus. Já que dizem que todos os seres humanos são filhos de Deus, nada justifica a discriminação. Então que cada um seja respeitado no seu modo de prestar culto ao Criador. Que ninguém possa achar que por pertencer a esta ou aquela religião, só por isso é um cristão. Entendo que ser mesmo cristão é estar em condições de seguir exatamente a doutrina de Jesus.

Para ilustração, transcrevo um trecho do Livro de Carlos Gonzáles Bernardo Pecotche, “O Senhor De Sándara”; tradução: filiados da Fundação Logosófica do Brasil – São Paulo: Logosófica, 1992, 2ª Edição, (p. 467), para referir-me agora aos ateus:

“Tenho me encontrado no mundo com muitos ateus e também com muitos crentes, aos quais tive que considerar tão ateus quanto ao mais ateu. Estes últimos, identifico-os até entre os que mais se gabavam de ser crentes sinceros da religião que professavam. Em realidade esses costumam ser os mais temíveis, porque enquanto proclamam a Deus com os lábios, execram e negam ignominiosamente Seu Nome com seus ocultos e indignos procedimentos. São eles os que em todos os tempos armaram o braço de seus confrades para ferir de morte seres inocentes, pela única razão de não coincidirem com os pensamentos emanados de seus cultos. [...]. Prova evidente do ateísmo do crente são os crimes da Idade Média e do Renascimento. Não foram monstruosos engendros desse ateísmo os que prepararam suplícios e fogueiras para destruir e calcinar as carnes gloriosas de tantos mártires, que pagaram inocente tributo à ingratidão humana sustentada pela barbárie?”

Assim como os crentes tem o direito de seguir esta ou aquela religião, o ateu também tem o direito de não acreditar em Deus, nas religiões e seus dogmas. Os ateus também amam e conheço muito deles que levam uma vida virtuosa. O fato de não acreditarem num deus barbudo sentado nas nuvens é uma decisão que lhes pertence. Tolstoi dizia que “a vida virtuosa é uma vida inspirada pelo amor e guiada pelo conhecimento”.

Bertrand Russel que era ateu, no entanto, também pensava assim, ou seja, o amor sem conhecimento ou o conhecimento sem amor não conduzem a uma vida virtuosa. Tanto que ele mencionava como exemplo de amor sem conhecimento, fatos que se deram na Idade Média, ou seja, quanto uma peste grassava num povoado, os sacerdotes aconselhavam à população para se reunir nas igrejas para orarem pela sua salvação. E como resultado as doenças propagavam mais rapidamente.

Um outro exemplo mencionado por Russel é o do conhecimento sem amor, como a última guerra mundial, que também produziu mortes em grande escala.

Dizia ele que “embora tanto o amor como o conhecimento seja necessários, o amor é, em certo sentido, mais fundamental, pois que leva as pessoas inteligentes a buscar o conhecimento a fim de descobrir de que maneira poderão beneficiar aqueles a quem amam.”

Estamos em pleno século XXI, no entanto a estupidez humana, a torpeza, a ambição ou a ganância, o poder, a vilania, a pusilanimidade, a desonestidade, tem produzido desgraças aos povos de todas as nações. O que o mundo necessita, dizia Russel, é de moderação, tolerância, e compreensão da interdependência das partes da família humana. Essa interdependência aumentou grandemente devido às invenções modernas — e os argumentos puramente terrenos a favor de uma atitude mais generosa para com o próximo são muito mais fortes do que em qualquer época anterior.

É AGORA? COMO É QUE FICA? VOCÊ CONSEGUE ENCHER A BOCA PARA AFIRMAR QUE É UM CRISTÃO OU UMA CRISTÃ MESMO? NÃO SERIA PREFERÍVEL DIZER QUE É APENAS SIMPATIZANTE DA DOUTRINA CRISTÃ, QUE TRABALHA COMO UM (A) OBREIRO (A) DA SUA IGREJA PARA UM APRENDIZADO DE FRATERNIDADE? E QUE RECONHECE COMO IRMÃOS E FILHOS DO MESMO PAI, OS HOMENS E MULHERES EM TODA A FACE DA TERRA?

Um comentário:

  1. Excelente. Cristo não fundou nenhuma religião e amava a todos, indistintamente, até mesmo os criminosos. Aliás, ele fundou uma religião sim: a religião do amor! Segundo Kardec, "Reconhece-se o verdadeiro espírita (ou o verdadeiro cristão, já que o espiritismo na sua pureza se propõe a ser o cristianismo redivivo) pela sua transformação moral e pelos esforços que emprega para domar suas inclinações más." O cristianismo não veio para os sãos, mas para os doentes da alma, que somos todos nós. Quem já é puro e santo, não precisa do cristianismo. Então a pergunta que deve eclodir nas nossas consciências, não é se já somos puros e perfeitos cristãos, mas sim, se estamos realmente nos esforçando para conduzir nossas vidas dentro dos preceitos cristãos e, consequentemente, nos tornando pessoas melhores.

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