quinta-feira, 10 de maio de 2012

Fernando Pessoa – Seus estudos da metafísica, do misticismo, da Cabala, dos Templários e das ciências. Fragmentos de uma autobiografia.








[...]

Do estudo da metafísica, das ciências, passei a ocupações de espírito mais violentas para o equilíbrio dos meus nervos. Gastei apavoradas noites debruçado sobre volumes de místicos e de cabalistas, que nunca tinha paciência para ler de todo, de outra maneira que não intermitentemente, trémulo e . Os ritos e as razões dos Rosa-Cruz, a simbólica da Cabala e dos Templários, - sofri durante tempos a opressão de tudo isso. E encheram a febre dos meus dias especulações venenosas, da razão demoníaca da metafísica - a magia, a alquimia - extraindo um falso estímulo vital de sensação dolorosa e presciente de estar como que sempre à beira de saber um mistério supremo. Perdi-me pelos sistemas secundários, excitados, da metafísica, sistemas cheios de analogias perturbantes, de alçapões para a lucidez, grandes paisagens misteriosas onde reflexos de sobrenatural acordam mistérios nos contornos.


Envelheci pelas sensações... Gastei-me gerando os pensamentos... E a minha vida passou a ser uma febre metafísica, sempre descobrindo sentidos ocultos nas coisas, brincando com o fogo das analogias misteriosas, procrastinando a lucidez integral, a síntese normal para se denegrir [?].


Caí numa complexa indisciplina cerebral, cheia de indiferenças. Onde me refugiei? Tenho a impressão de que não me refugiei em parte nenhuma. Abandonei-me, mas não sei a quê. 


Concentrei e limitei os meus desejos, para os poder requintar melhor. Para se chegar ao infinito, e julgo que se pode lá chegar, é preciso termos um porto, um só, firme, e partir dali para Indefinido.


Hoje sou ascético na minha religião de mim. Uma chávena de café, um cigarro e os meus sonhos substituem bem o universo e as suas estrelas, o trabalho, o amor, até a beleza e a glória. Não tenho quase necessidade de estímulos. Ópio tenho-o eu na alma.


Que sonhos tenho? Não sei. Forcei-me por chegar a um ponto onde nem saiba já em que penso, com que sonho, o que visiono. Parece-me que sonho cada vez de mais longe, que cada vez mais sonho o vago, o impreciso, o invisionável.


Não faço teorias a respeito da vida. Se ela é boa ou má não sei, não penso. Para meus olhos é dura e triste, com sonhos deliciosos de permeio. Que me importa o que ela é para os outros?


A vida dos outros só me serve para eu lhes viver, a cada um a vida que me parece que lhes convém no meu sonho.” [...]

(páginas 252, 253)

(Do “Livro do Desassossego”: composto por Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade Lisboa/Fernando Pessoa; organização /Richard Zenith. — São Paulo: Companhia das Letras, 2006. Nota: nos textos de Fernando Pessoa, manteve-se a grafia vigente em Portugal)

2 comentários:

  1. Fernando Pessoa costuma viajar na maionese com os pés sujo de "massutumati" deixando vestigíos de seus traços. No final, uma realidade tangível e bem pessoal. Ele descreve, talves sem querer, uma longa Iniciação Mística.

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  2. Conheci algumas obras de Fernando Pessoa quando estudei LITERATURA PORTUGUESA, são três colunas fortes ou triangulo perfeito da Literatura Portuguesa - primeiro - CAMÕES, segundo FERNANDO PESSOA e por último SARAMAGO, quanto a Fernando Pessoa, além de místico foi lírico, romântico e filosófico... expressava "TUDO VALE A PENA QUANDO A ALMA NÃO É PEQUENA...", na sua época foi considerado fora do contexto da burguesia, pois não aceitava a hipocrisia e o fanatismo do cristianismo exagerado pelo seu povo... viveu um tanto isolado da sociedade portuguesa, mas ele procurava a metafisica e o esoterismo como fonte de suas inspirações, enfim, FERNANDO PESSOA, foi uma das mais altas estrelas do firmamento português... Fico feliz por você pesquisar a vida deste cérebro imortal da literatura portuguesa. Cicero de Souza Gomes

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