terça-feira, 15 de maio de 2012

MAIMÔNIDES E A ETERNIDADE DO UNIVERSO. AS TRÊS TEORIAS SOBRE A ORÍGEM DO UNIVERSO.





















Moshé ben Maimon, conhecido como Maimônides (1135-1204) e também como Rambam, que seria um acrônimo formado pelas iniciais de seu nome completo, combinado com o título de Rabino: Rav (que significa mestre em hebraico), Moshé (Moisés) e ben (filho) – Maimon — nasceu em Córdoba, na Andaluzia, Espanha Islâmica, em 30 de março de 1135, foi um pensador judeu que além de exercer a medicina, dedicou grande parte da sua vida à compreensão de sua religião, porquanto foi educado em ambiente de acaloradas discussões teológicas, grandemente influenciado pela jurisprudência judaica, até porque seu pai foi juiz e erudito da jurisprudência legal judaica e dedicado ao estudo do Talmud.


Um dos seus maiores legados foi ter escrito O Guia dos Perplexos, originariamente em árabe, com o título de Dalalat al ‘airin, posteriormente traduzido para o hebraico, com o título de Moreh Ha-Nevuchim.


Conforme consta na introdução do volume II do citado Guia; “Maimônides acreditava que, ao escrever uma obra que abordasse a relação possível entre o texto bíblico e a tradição oral contida no ‘Talmud’, por um lado, e a filosofia, por outro, poderia possibilitar o acesso da razão aos segredos contidos na Bíblia e, assim, aliviar a ‘perplexidade’ dos judeus eruditos diante das dificuldades na compreensão do texto bíblico” (págs.18,19). Já o Editor (5ª Edição- Madrid: Editorial Trotta.) David Gonzalo Maeso, por sua vez afirma que: “[...] a obra não é dirigida nem aos filósofos nem tampouco aos leigos de toda formação intelectual, mas sim ao círculo de estudiosos que se vêem desconcertados por certos problemas que aparentam contradição entre a religião e a filosofia ou simplesmente a razão natural [...]”, e declara que filosofia e religião são “[...] ambos os extremos que O Guia dos Perplexos se propõe a conciliar”.


Segundo o próprio Maimônides, seu principal objetivo era de: “[...] esclarecer os pontos obscuros da Bíblia e expor explicitamente o verdadeiro sentido de seus fundamentos, encobertos à inteligência do povo” (Guia para os perplexos, parte II, cap. 2, pág.66). E mais adiante declara:

 “Assim, pois, ao nos habituarmos às opiniões das pessoas ignorantes em Filosofia, inclinamo-nos a considerar estas opiniões filosóficas como estranhas à nossa religião, do mesmo modo que as pessoas não-educadas consideram-nas estranhas às suas próprias concepções. Mas, na verdade, não é assim” (Guia, cap. II, págs.99,100).

Com isso, Maimônides quis dizer que a verdade revelada e as especulações filosóficas, somente são vistas pelos despreparados e ignorantes como incongruentes, posto que muitas das conclusões filosóficas, na realidade vêem mesmo é confirmar a verdade revelada.


Pois bem, sobre a teoria da Eternidade do Universo, o Guia explica três teorias diferentes sobre a origem do universo, dizendo que: “Entre aqueles que acreditam na existência de Deus, são três as teorias que discutem se o Universo é eterno ou não (pág.28):

1)   Teoria Bíblica Judaica, segundo a qual Deus criou o Universo a partir do nada (criação ex-nihilo), ou seja, aquela derivada da Lei de Moisés;

2)Teoria Platônica e Teoria Islâmica (dos mutakálemim), segundo as quais Deus formou o Universo — que é transitório — de uma substância eterna, sendo que Platão admitia a preexistência da matéria;

3)   Teoria Aristotélica, que defendia a idéia de que Deus e o Universo são eternos e coexistentes. Nesse caso, a matéria, o tempo e o movimento seriam eternos.


Conforme está dito em o Guia dos Perplexos (pág. 29): Na terceira teoria, a Eternidade do Universo está fundada em propriedades da Natureza e da Primeira Causa, segundo os aristotélicos, e estas estão demonstradas em quatro e três métodos, respectivamente, aqui apresentados. Além destes, Aristóteles reforça sua teoria, considerando o fato de existir uma crença popular geral na Eternidade do Universo. Maimônides refuta os primeiros quatro métodos ao argumentar que estes não levam em conta que as leis, por meio das quais o Universo está regulamentado, não precisariam vigorar antes de o Universo existir, assim como é um equívoco considerar o funcionamento do organismo de um feto a partir do funcionamento do organismo de uma pessoa já nascida. De modo semelhante, quanto aos últimos três métodos, refuta-os ao argumentar que as vontades e ações dos Seres Puramente Espirituais não estão sujeitas às mesmas leis que as dos seres terrenos: enquanto se necessita de uma alteração nos últimos ou na vontade do homem, não é necessário produzir mudança nos seres incorpóreos.


Maimônides segue adiante e explica que não precisaria da autoridade da Bíblia para adotar a teoria da Criação. Seguem-se dois dos vários argumentos: 1) Ao admitir que a grande variedade de coisas no mundo terreno está ligada àquelas leis imutáveis que regulamentaram a influência das esferas sobre estas mesmas coisas, a variedade de esferas somente pode ser explicada como resultado da Vontade Divina; 2) Segundo Aristóteles, é impossível que um ser simples possa, de acordo com as leis da Natureza, ser a causa de seres compostos. Como Deus, que é um ser simples, é a causa de seres compostos, Ele não segue as leis da Natureza e, portanto, não precisa necessariamente ter uma causa anterior, como é o caso do Universo. Logo, Deus é eterno, mas o Universo é criado. O autor aderiu à teoria da Criação ao verificar que os argumentos contrários eram insustentáveis. Surpreendeu-se com Rabi Eliezer, sábio judeu que parece defender a teoria da Eternidade do Universo, a ponto de advertir seu discípulo para que não se equivocasse ao ler os Pirkê de Rabi Eliezer.


A teoria da Criação não envolve a crença de que o Universo será destruído no futuro. Com não segue as leis da Natureza, o fato de ter havido um início determinado para o Universo não implica necessariamente que haverá um fim — esta é uma possibilidade que depende exclusivamente da Vontade Divina, não é uma propriedade inerente ao Universo.


O relato da Criação no livro do Gênesis (pag.30) e demais textos judaicos, em especial no Talmud, é explicado pelo autor segundo as duas regras seguintes:

1)   Sua linguagem é simbólica;

2) Os termos empregados têm mais do que um significado.


As palavras érets, máim, rúach e chóshech são polivalentes e, em princípio, significam respectivamente os quatro elementos: terra, água, ar e fogo; em outras instâncias, Érets é o Planeta Terra; Máim refere-se ao firmamento (Céus Inferiores) ou aos Céus Superiores; Rúach significa vento ou Sopro Divino (Espírito); e Chóshech pode ser ou escuridão ou noite. Segundo Maimônides, o Universo teve início executado pela Primeira Causa; esta não faz parte do Universo criado nem coexiste com ele — deu início ao Universo, mas não e a primeira parte deste. Após a Criação, a diversidade de seres foi criada sucessivamente, sob a influência do movimento das esferas celestes, bem como das diversas combinações entre luz e escuridão. A partir do sétimo dia, Deus descansou e o Universo passou a seguir as Leis da Natureza. Este dia Shabát — foi abençoado e santificado. Segundo o Talmud, os judeus devem guardar o Shabát por dois motivos: para lebrarem da Criação do Universo (Êxodo 20:10-11)[1]; e em comemoração à saída do Egito (Deuteronômio 5:15)[2], pois durante o período de escravidão no Egito, eles não sabiam o que era liberdade e bem-estar. 


Na história bíblica, os casais — Adão e Eva; a serpente e Samael (Satã) — são metáforas que representam, respectivamente: o intelecto e o corpo; a imaginação e o desejo. A imaginação e o desejo formam o par que influencia fortemente o aspecto físico do Homem. Enquanto é dada maior atenção à imaginação e ao desejo, o intelecto se enfraquece e o corpo se degrada. A imaginação, ao invés de ser guiada e controlada pela razão, fica sujeita ao desejo, que enfraquece e degrada o corpo. Em seguida são estabelecidas outras metáforas, relativas aos filhos de Adão e Eva. Nos três tilhos — Caim, Abel e Set — Maimônides encontra uma alusão, respectivamente, às três propriedades do ser humano: vegetativa — vital; animal — instintiva; e intelectual — racional. Abel (vegetal-vital) é eliminado por Caim (animal-instintiva); este é superado por Set (intelectual-racional) que sobrevive e forma a base da condição humana daí em diante. Fica claro que o fato de Maimônides considerar o texto bíblico como absolutamente verdadeiro não significa que faça dele uma leitura literal. A verdade do texto bíblico só pode ser extraída a partir de uma interpretação correta de seus simbolismos.



(A maioria do texto foi extraído da literatura recomendada: “MAIMÔNIDES O Guia dos Perplexos” – Maimônides, Moses, 1135-1204; tradução e prefácio Uri Lam – São Paulo: Landy Editora, 2004 – Vol.2)



[1] “E o sétimo dia é Shabát para YHVH teu Deus. Não farás nenhuma obra — tu, teu filho, tua filha, teu servo, tua serva, teu animal e teu peregrino que estiver em tuas cidades, porque em seis dias fez YHVH os Céus e a Terra, o mar e tudo o que há neles, e repousou no sétimo dia. Portanto abençoou YHVH o dia do Shabát e santificou-“ (Êxodo 20:10-11).
[2] “E lembrarás que servo foste na Terra do Egito, e que de lá te tirou YHVH Teu Deus, com mão forte e braço estendido; portanto te ordenou YHVH o dia do Shabát.” (Deuteronômio 5:15).

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