Moshé ben Maimon, conhecido como Maimônides (1135-1204)
e também como Rambam, que seria um acrônimo formado pelas iniciais de seu nome
completo, combinado com o título de Rabino: Rav (que significa mestre em
hebraico), Moshé (Moisés) e ben (filho) – Maimon — nasceu em Córdoba, na
Andaluzia, Espanha Islâmica, em 30 de março de 1135, foi um pensador judeu que além
de exercer a medicina, dedicou grande parte da sua vida à compreensão de sua
religião, porquanto foi educado em ambiente de acaloradas discussões
teológicas, grandemente influenciado pela jurisprudência judaica, até porque
seu pai foi juiz e
erudito da jurisprudência legal judaica e dedicado ao estudo do Talmud.
Um dos seus maiores legados foi ter escrito O Guia dos Perplexos, originariamente
em árabe, com o título de Dalalat
al ‘airin, posteriormente traduzido para o hebraico, com o título de Moreh
Ha-Nevuchim.
Conforme consta na introdução do volume II do
citado Guia; “Maimônides acreditava que, ao escrever uma obra que abordasse
a relação possível entre o texto bíblico e a tradição oral contida no ‘Talmud’,
por um lado, e a filosofia, por outro, poderia possibilitar o acesso da razão
aos segredos contidos na Bíblia e, assim, aliviar a ‘perplexidade’ dos judeus
eruditos diante das dificuldades na compreensão do texto bíblico” (págs.18,19).
Já o Editor (5ª Edição- Madrid: Editorial Trotta.) David Gonzalo Maeso,
por sua vez afirma que: “[...] a obra não é dirigida nem aos filósofos nem
tampouco aos leigos de toda formação intelectual, mas sim ao círculo de
estudiosos que se vêem desconcertados por certos problemas que aparentam
contradição entre a religião e a filosofia ou simplesmente a razão natural
[...]”, e declara que filosofia e religião são “[...] ambos os extremos
que O Guia dos Perplexos se propõe a conciliar”.
Segundo o próprio Maimônides, seu principal
objetivo era de: “[...] esclarecer os pontos obscuros da Bíblia e
expor explicitamente o verdadeiro sentido de seus fundamentos, encobertos à
inteligência do povo” (Guia para
os perplexos, parte II, cap. 2, pág.66). E mais adiante declara:
“Assim, pois, ao nos
habituarmos às opiniões das pessoas ignorantes em Filosofia, inclinamo-nos a
considerar estas opiniões filosóficas como estranhas à nossa religião, do mesmo
modo que as pessoas não-educadas consideram-nas estranhas às suas próprias
concepções. Mas, na verdade, não é assim” (Guia, cap. II, págs.99,100).
Com isso, Maimônides quis dizer que a verdade revelada e as especulações
filosóficas, somente são vistas pelos despreparados e ignorantes como
incongruentes, posto que muitas das conclusões filosóficas, na realidade vêem
mesmo é confirmar a verdade revelada.
Pois bem, sobre a teoria da Eternidade do Universo, o Guia explica três
teorias diferentes sobre a origem do universo, dizendo que: “Entre aqueles que
acreditam na existência de Deus, são três as teorias que discutem se o Universo
é eterno ou não (pág.28):
1)
Teoria
Bíblica Judaica, segundo a qual Deus criou o Universo a partir do nada (criação
ex-nihilo), ou seja, aquela derivada
da Lei de Moisés;
2)Teoria
Platônica e Teoria Islâmica (dos mutakálemim), segundo as quais Deus formou o
Universo — que é transitório — de uma substância eterna, sendo que Platão
admitia a preexistência da matéria;
3)
Teoria
Aristotélica, que defendia a idéia de que Deus e o Universo são eternos e
coexistentes. Nesse caso, a matéria, o tempo e o movimento seriam eternos.
Conforme está dito em o Guia dos Perplexos (pág. 29): Na terceira
teoria, a Eternidade do Universo está fundada em propriedades da Natureza e da
Primeira Causa, segundo os aristotélicos, e estas estão demonstradas em quatro
e três métodos, respectivamente, aqui apresentados. Além destes, Aristóteles
reforça sua teoria, considerando o fato de existir uma crença popular geral na
Eternidade do Universo. Maimônides refuta os primeiros quatro métodos ao
argumentar que estes não levam em conta que as leis, por meio das quais o
Universo está regulamentado, não precisariam vigorar antes de o Universo
existir, assim como é um equívoco considerar o funcionamento do organismo de um
feto a partir do funcionamento do organismo de uma pessoa já nascida. De modo
semelhante, quanto aos últimos três métodos, refuta-os ao argumentar que as
vontades e ações dos Seres Puramente Espirituais não estão sujeitas às mesmas
leis que as dos seres terrenos: enquanto se necessita de uma alteração nos
últimos ou na vontade do homem, não é necessário produzir mudança nos seres
incorpóreos.
Maimônides segue adiante e explica que não precisaria da autoridade da
Bíblia para adotar a teoria da Criação. Seguem-se dois dos vários argumentos:
1) Ao admitir que a grande variedade de coisas no mundo terreno está ligada
àquelas leis imutáveis que regulamentaram a influência das esferas sobre estas
mesmas coisas, a variedade de esferas somente pode ser explicada como resultado
da Vontade Divina; 2) Segundo Aristóteles, é impossível que um ser simples
possa, de acordo com as leis da Natureza, ser a causa de seres compostos. Como
Deus, que é um ser simples, é a causa de seres compostos, Ele não segue as leis
da Natureza e, portanto, não precisa necessariamente ter uma causa anterior,
como é o caso do Universo. Logo, Deus é eterno, mas o Universo é criado. O
autor aderiu à teoria da Criação ao verificar que os argumentos contrários eram
insustentáveis. Surpreendeu-se com Rabi Eliezer, sábio judeu que parece
defender a teoria da Eternidade do Universo, a ponto de advertir seu discípulo
para que não se equivocasse ao ler os Pirkê
de Rabi Eliezer.
A teoria da Criação não envolve a crença de que o Universo será
destruído no futuro. Com não segue as leis da Natureza, o fato de ter havido um
início determinado para o Universo não implica necessariamente que haverá um
fim — esta é uma possibilidade que depende exclusivamente da Vontade Divina,
não é uma propriedade inerente ao Universo.
O relato da Criação no livro do Gênesis (pag.30) e demais textos
judaicos, em especial no Talmud, é
explicado pelo autor segundo as duas regras seguintes:
1)
Sua
linguagem é simbólica;
2) Os termos
empregados têm mais do que um significado.
As palavras érets, máim, rúach e
chóshech são polivalentes e, em princípio, significam respectivamente os
quatro elementos: terra, água, ar e fogo; em outras instâncias, Érets é o Planeta Terra; Máim refere-se ao firmamento (Céus
Inferiores) ou aos Céus Superiores; Rúach
significa vento ou Sopro Divino (Espírito); e Chóshech pode ser ou escuridão ou noite. Segundo Maimônides, o
Universo teve início executado pela Primeira Causa; esta não faz parte do
Universo criado nem coexiste com ele — deu início ao Universo, mas não e a
primeira parte deste. Após a Criação, a diversidade de seres foi criada
sucessivamente, sob a influência do movimento das esferas celestes, bem como
das diversas combinações entre luz e escuridão. A partir do sétimo dia, Deus
descansou e o Universo passou a seguir as Leis da Natureza. Este dia Shabát — foi abençoado e santificado.
Segundo o Talmud, os judeus devem
guardar o Shabát por dois motivos:
para lebrarem da Criação do Universo (Êxodo 20:10-11)[1];
e em comemoração à saída do Egito (Deuteronômio 5:15)[2],
pois durante o período de escravidão no Egito, eles não sabiam o que era
liberdade e bem-estar.
Na história bíblica, os casais — Adão e Eva; a serpente e Samael (Satã)
— são metáforas que representam, respectivamente: o intelecto e o corpo; a
imaginação e o desejo. A imaginação e
o desejo formam o par que influencia
fortemente o aspecto físico do Homem. Enquanto é dada maior atenção à
imaginação e ao desejo, o intelecto se enfraquece e o corpo se degrada. A
imaginação, ao invés de ser guiada e controlada pela razão, fica sujeita ao
desejo, que enfraquece e degrada o corpo. Em seguida são estabelecidas outras
metáforas, relativas aos filhos de Adão e Eva. Nos três tilhos — Caim, Abel e
Set — Maimônides encontra uma alusão, respectivamente, às três propriedades do
ser humano: vegetativa — vital; animal — instintiva; e intelectual — racional.
Abel (vegetal-vital) é eliminado por Caim (animal-instintiva); este é superado
por Set (intelectual-racional) que sobrevive e forma a base da condição humana
daí em diante. Fica claro que o fato de Maimônides considerar o texto bíblico
como absolutamente verdadeiro não significa que faça dele uma leitura literal.
A verdade do texto bíblico só pode ser extraída a partir de uma interpretação
correta de seus simbolismos.
(A maioria do texto foi extraído da literatura recomendada: “MAIMÔNIDES O Guia dos
Perplexos” – Maimônides, Moses, 1135-1204; tradução e prefácio Uri Lam – São Paulo:
Landy Editora, 2004 – Vol.2)
[1] “E
o sétimo dia é Shabát para YHVH teu Deus. Não farás nenhuma obra — tu, teu
filho, tua filha, teu servo, tua serva, teu animal e teu peregrino que estiver
em tuas cidades, porque em seis dias fez YHVH os Céus e a Terra, o mar e tudo o
que há neles, e repousou no sétimo dia. Portanto abençoou YHVH o dia do Shabát
e santificou-“ (Êxodo 20:10-11).
[2] “E
lembrarás que servo foste na Terra do Egito, e que de lá te tirou YHVH Teu
Deus, com mão forte e braço estendido; portanto te ordenou YHVH o dia do
Shabát.” (Deuteronômio 5:15).
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