sexta-feira, 11 de maio de 2012

Matéria e Energia Escura: não são o Fluido Universal




Alexandre Fontes da Fonseca (*)
Highland Park, New Jersey, EUA

Resumo:

A chamada matéria escura do Universo e, recentemente, a suposição da existência de uma energia escura têm levado os espíritas a suporem que um deles pode corresponder ao Fluido Universal. Mostramos, a partir da análise das propriedades físicas da matéria e energia escuras e a partir dos ensinamentos dos Espíritos,  que elas,  ainda,  não  correspondem  ao  Fluido  Universal.  Concluímos  que elas  são,  apenas, modificações do elemento material da mesma forma que a matéria usual.

Introdução:

O conhecimento acerca do Universo surpreende a mente humana a cada nova descoberta. Com o advento de modernos telescópios, como o Hubble, o homem vasculha a imensidão buscando respostas para questões como o surgimento do Universo e da Vida. O desejo de saber é muito antigo, conforme a história demonstra e ambas, Religião e Ciência, têm procurado desvendar os segredos do Universo.

Atualmente, a Ciência possui um certo status de detentora da verdade, isto é, do conhecimento considerado válido e correto devido ao desenvolvimento dos métodos específicos de pesquisa, que geram confiança nos resultados e, também, aos sucessos que ela obteve em todas áreas do saber, especialmente, em tecnologia e saúde. Por isso, as pessoas em geral buscam na ciência as explicações para tudo o que ocorre em suas vidas. O que elas não percebem é que a ciência, na realidade, não é detentora da verdade absoluta e que, muitas vezes, o que era tido como certo numa época é rejeitado em outra. Outro ponto importante é  que  por  detrás  das  grandes  descobertas  científicas  muita coisa  foi  estudada,  analisada, confirmada, debatida, rejeitada, criticada, e que somente após muitas discussões é que as novas teorias vão surgindo. Mesmo assim, essas novas teorias estão sujeitas a serem substituídas por outras melhores a qualquer momento. Isso é a roda do progresso seguindo adiante.

Graças  ao  desenvolvimento  de algumas  teorias  da  Física  Moderna,  o  entendimento  sobre  o Universo não é mais o mesmo do século retrasado. Na verdade, surgiram mais dúvidas do que certezas nas  pesquisas  em  Astronomia e  Cosmologia e  por  isso  existem  vários  modelos  teóricos  criados  e desenvolvidos por alguns cientistas para tentar explicar os dados astronômicos. Tais modelos possuem algumas interpretações curiosas, o que tem chamado a atenção de religiosos e espiritualistas de diversos segmentos. Isso ocorre por causa desse status que a ciência possui e porque se acredita que a conexão entre Ciência e Espiritualismo, em geral, seja tão simples de se fazer quanto as explicações publicadas em  revistas  de  divulgação  científica.  De  modo  a  vermos  como  as  questões  de  ordem  científica  são complexas,  discutiremos  as  interpretações  encontradas  em  alguns  artigos  espíritas  que  relacionam  o Fluido Universal a dois objetos de estudo em Cosmologia.

Primeiramente,  vamos  descrever  ambos  os  objetos  que  possuem  as  seguintes  denominações: matéria escura e energia escura.

Recentemente, os astrônomos observaram que o movimento das galáxias não pode ser explicado pela presença da matéria visível ao redor delas. As leis da Gravitação, que regem a interação entre e o movimento dos corpos celestes não explicam tais movimentos e a suposição de que existe uma matéria não visível aos telescópios (por isso a denominação de matéria escura) ganhou força entre os cientistas, chegando ao ponto deles formularem  modelos  teóricos  específicos  para as  supostas  partículas  que a compõem.

Mais recente ainda é a descoberta de que o Universo tem expandido numa taxa maior agora do que a milhões de anos atrás, sugerindo que esteja havendo uma aceleração nessa expansão. O interessante, nesse caso, é que esse efeito de aumentar a expansão não pode ser atribuído nem à matéria visível nem à matéria escura. Os cientistas, então, propuseram a existência de um tipo de energia, batizada de energia escura. Ela seria altamente sutil e dispersa pelo Universo e, em conjunto, teria o efeito de provocar a referida expansão. Por causa de ser bastante rarefeita, os cientistas batizaram-na, também, de campo de quintessência.

Esses dois objetos astronômicos têm sugerido a alguns espíritas o pensamento de que se tratam da matéria fluídica, no sentido que o Espiritismo ensina. Neste artigo, mostramos que nenhuma das duas pode ser considerada como o Fluido Universal ou como a matéria fluídica que compõe o plano espiritual.

Nós nos baseamos  nas  propriedades  físicas  de ambos  e  nas  explicações  dos  Espíritos  quanto  às propriedades do Fluido Universal.  


Matéria Escura:


Recentemente,  na  revista  Reformador  de  setembro  de  2003,  foi  publicado  um  artigo  sobre a matéria escura [1]. A autora questiona: ... essa matéria escura não seria a matéria cósmica universal?. (sexto parágrafo da ref. [1], p. 15).  Em face das razões que o estudo e análise das propriedades físicas da matéria escura nos apresenta, adiantamos que a resposta para essa questão é não.

Os  físicos  chegaram  à conclusão  de  que  para  que a  matéria  visível  no  Universo  esteja  na configuração  observada  pelos  telescópios  as  partículas  que compõem  a  matéria  escura  têm  que  ser altamente massivas, isto é, sua massa tem que ser muito grande, muito maior que a massa das partículas que compõem  a  matéria  usual:  os  prótons  e  nêutrons.  Essas  partículas,  batizadas  de  simpzillas  e wimpzillas, têm que possuir tanta massa que uma delas, a simpzilla, recentemente foi descartada como possível partícula de matéria escura por não ter tanta massa assim [2]. Se as partículas que compõem a matéria  escura  precisam  ser  muito  mais  pesadas  que a  matéria comum,  então  elas  não  podem corresponder  ao  Fluido  Universal  que,  por  natureza,  é  o  elemento  material  mais  sutil  do  Universo.

Vejamos o que dizem os Espíritos na questão número 29 de O Livro dos Espíritos [3]: 

29. A ponderabilidade é um atributo essencial da matéria ?

- Da matéria como a entendeis, sim; não, porém, da matéria considerada como fluido universal. A matéria etérea e sutil que constitui esse fluido lhe é imponderável. Nem por isso, entretanto, deixa de ser o princípio da vossa matéria pesada.

Vemos claramente que o Fluido Universal tem que ser um elemento mais imponderável e sutil do que a nossa matéria. De acordo com a exposição acima, a matéria escura é mais pesada que a nossa matéria não podendo, portanto, ser o Fluido Universal. Note que nada impede que a matéria escura seja formada pela condensação do Fluido Universal da mesma forma como toda a matéria que conhecemos.


Energia Escura:


Na revista Reformador de Agosto e Setembro de 2002, o Dr. Sérgio Thiesen escreveu um artigo, em duas partes, a respeito da energia escura [4,5]. Ele propõe que essa energia seja o Fluido Universal devido ao fato dela ser muito rarefeita e, portanto, muito sutil, diferentemente da matéria escura. Apesar de a lógica estar  correta  já  que,  como  citado  acima,  o  Fluido  Universal  é extremamente  sutil,  outras propriedades físicas da energia escura não foram analisadas em contrapartida com as outras propriedades que os Espíritos disseram que o Fluido Universal deve satisfazer. Vamos transcrever a questão número 27 de O Livro dos Espíritos [3]:  

27. Há então dois elementos gerais do Universo: a matéria e o Espírito? 

- Sim e acima de tudo Deus, o criador, o pai de todas as coisas. Deus, espírito e matéria constituem o princípio de tudo o que existe, a trindade universal. Mas ao elemento material se tem que juntar o fluido universal, que desempenha o papel de intermediário entre o espírito e a matéria propriamente dita, por demais grosseira para que o espírito possa exercer ação sobre ela. Embora, de certo ponto de vista, seja lícito classificá-lo como elemento material, ele se distingue deste por propriedades especiais. Se o fluido universal fosse positivamente matéria, razão não haveria para que o espírito também não o fosse. Está colocado entre o Espírito e a matéria; é fluido, como a matéria, e susceptível, pelas suas inumeráveis combinações com esta e sob a ação do espírito, de produzir a infinita variedade de coisas de que apenas conheceis uma parte mínima. Esse fluido universal, ou primitivo, ou elementar, sendo o agente de que o espírito se utiliza, é o princípio sem o qual a matéria estaria em perpétuo estado de divisão e nunca adquiriria as qualidades que a gravidade lhe dá. (Grifos nossos)

Na frase acima destacada vemos que uma das propriedades do Fluido Universal é evitar que a matéria esteja em perpétuo estado de divisão. Conforme mencionamos na Introdução, o efeito da energia escura seria o de proporcionar uma aceleração na expansão do Universo. Expansão é um efeito que faz com que a matéria se afaste e, por isso, esteja num estado de divisão. Mesmo sabendo que esse efeito é relativamente pequeno  e  que  leva  milhões  de anos  para  ser  percebido,  ele constitui-se  num comportamento diferente daquele que os Espíritos disseram que o Fluido Universal tem, que é o de evitar esse tipo de afastamento. Por essa razão a energia escura ainda não seria o Fluido Universal.


Em  um  recente artigo,  da  Fonseca  [6]  propõe  que  os  cosmologistas  espíritas  pesquisem  e verifiquem a plausibilidade da idéia do Fluido Universal corresponder ao elemento (ainda não cogitado) que anularia o efeito do chamado vácuo quântico. Segundo os físicos [7], os efeitos do vácuo quântico seriam responsáveis por fazer com que o Universo se expandisse tão rápido que ele estaria num perpétuo estado de divisão e afastamento. Como o Universo não está se expandindo assim, ou a previsão do efeito do vácuo quântico está errada ou alguma coisa o está anulando. Como o chamado efeito Casimir [8] é uma evidência experimental  dos  efeitos  do  vácuo  quântico,  então  a  hipótese  da existência  de algum elemento, disperso pelo Universo, que anule esse efeito nos parece ser razoável. Ressaltamos que apenas um cientista, atuante na área em questão, pode avaliar a validade dessa hipótese, pois ele é o único capaz de Traduzi-la na linguagem científica apropriada. Portanto, a lógica da idéia proposta por da Fonseca, sozinha, não é suficiente para dizermos que ela é uma comprovação científica para o Fluido Universal.


Conclusão:


A partir  da  discussão  apresentada aqui  concluímos  que  nem  a  matéria  escura  nem  a  energia escura correspondem ao Fluido Universal. Eles são substâncias. Feitas dessa matéria elementar através de múltiplas condensações e combinações a que ela está sujeita. Propomos que os físicos, que sejam espíritas e que sejam especialistas nessa área busquem estudar e verificar a hipótese espírita na solução desses problemas de ordem cosmológica.


Cabe mencionar que a existência da matéria e energia escuras ainda é controversa. No artigo da referência [2], o autor cita uma proposta alternativa para explicar os efeitos no movimento das galáxias visíveis aos telescópios. É proposto que as leis da Gravitação estejam incompletas e que em certas regiões do  Universo,  elas  sejam  diferentes.  Os  defensores  dessa  proposta afirmam  que  isso  solucionaria  o problema do movimento das galáxias sem a necessidade da existência de uma matéria escura.


O mesmo ocorre com a energia escura. Existem propostas alternativas para ela [6]. Por isso, é importante que as pessoas que trabalham profissionalmente em Cosmologia verifiquem as hipóteses que formulamos.


Assim, reafirmamos um alerta de que a ligação entre as questões espíritas e a Ciência deve ser feita com muito cuidado, estudo e pesquisa. Imagine, por exemplo, se no futuro for demonstrado que a matéria escura realmente não existe. Qualquer artigo que tenha se baseado nisso para defender alguma idéia espírita cairá por terra. Isso pode prejudicar o processo de divulgação do Espiritismo. Com relação à publicação e divulgação de mensagens isoladas de alguns espíritos, Kardec diz (19º. Parágrafo do item II da Introdução do Evangelho Segundo o Espiritismo [9]): .Essa confirmação (pelo consenso universal) é que se precisa aguardar, antes de apresentar um princípio como verdade absoluta, a menos se queira ser acusado de leviandade ou de credulidade irrefletida.. Esse cuidado vale, também, para as questões de ordem científica. 


Ao contrário do que alguns pensam, o Espiritismo não necessita ser atualizado sob o ponto de vista científico, como bem apontaram as pesquisas de Chibeni e seus colaboradores [10-14]. Tentativas mal feitas de fazê-lo podem levar o Espiritismo ao descrédito por parte daqueles que mais entendem de Ciência: os cientistas.


Referências:
[1] S. C. Schubert, A matéria escura do Universo e as constantes universais (2003), Reformador, Setembro, p. 14.
[2] R. Zorzetto, O lado escuro do Universo (2003), Pesquisa FAPESP, 91, p. 56.
[3] A. Kardec, O Livro dos Espíritos, Editora FEB, 76a Edição, Rio de Janeiro (1995).
[4] S. Thiesen, A Quintessência do Universo (1a Parte) (2002), Reformador, Agosto, p. 15.
[5] S. Thiesen, A Quintessência do Universo (2a Parte) (2002), Reformador, Setembro, p. 11.
[6] A. F. da Fonseca, O fluido universal e as teorias cosmológicas (2003), FidelidadEspírita, 14 p. 16.
[7] L. M. Krauss, Cosmological Antigravity (1999), Scientific American, Janeiro, p. 35.
[8] G. J. Maclay, H. Fearn e P. W. Milanni, Of some theoretical significance: implications of the Casimir effects (2001),
European Journal of Physics, 22, p. 463. Para uma revisão histórica do efeito Casimir o leitor é referido à: D. L. Andrews e L.
C. D. Romero, Conceptualization of the Casimir effect (2001), European Journal of Physics, 22, p. 447.
[9] A. Kardec, O Evangelho Segundo o Espiritismo, Editora FEB, 112a. Edição, Rio de Janeiro (1996).
[10] S. S. Chibeni, A Excelência Metodológica do Espiritismo (1988), Reformador Novembro, p. 328 e Dezembro, p. 373.
[11] S. S. Chibeni, Ciência Espírita (1991), Revista Internacional de Espiritismo Março , p.45.
[12] S. S. Chibeni, O paradigma espírita (1994), Reformador Junho, p. 176.
[13] A. P. Chagas, A Ciência confirma o Espiritismo? (1995), Reformador, Julho, p.208.
[14] A. P. Chagas, As provas científicas (1987), Reformador, Agosto, p.232

ARTIGO PUBLICADO NA REVISTA FIDELIDADESPÍRITA, DEZEMBRO DE 2003, PGS. 18-22

 
(*)  Prof. Dr. Alexandre Fontes da Fonseca
UNESP, campus de Bauru, SP.
Físico formado pela Unicamp onde também realizou os cursos de mestrado e doutorado. Realizou pós-doutoramento no Instituto de Física da USP, NanoTech Institute e no Department of Materials Sciences and Engineering of The University of Texas at Dallas. Atualmente, é professor de Física no Departamento de Física da Faculdade de Ciências da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Campus de Bauru, SP. É cientista, físico e espírita.

Matéria reproduzida com autorização do autor, por e.mail. Para acessá-la clique neste link:

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