Luiz Carlos Nogueira
Eram consideradas hereges pela
Igreja Católica, as pessoas que não aceitavam e questionavam seus dogmas. Esta
condição era um dos motivos que levavam tais pessoas a enfrentarem os tribunais
da inquisição. A Inquisição foi instituída pela Igreja Católica Apostólica
Romana, com a finalidade de investigar e descobrir os hereges, para reprimi-los
com punições severas, que quando não deixavam as pessoas inválidas pelos
suplícios que lhe eram aplicados, levavam-nas à morte. A chamada Inquisição
Episcopal teve existência desde os primeiros dias da formação da Igreja e foi
aplicada até antes do Concílio Vaticano II. A Inquisição Pontificial, foi
instituída pelo Papa Gregório IX, nos anos de 1.231 d.C, especialmente
destinada a combater os Cátaros
(do Grego: “Katharo”, que significa “puro”).
Por que o combate aos Cátaros?
Ora, os Cátaros não reconheciam
Jesus como filho de Deus, além de defender a igualdade das mulheres com os
homens. Além disso, não aceitavam o ritual de consagração da hóstia, adotando
cerimônias muito simples, quando então apenas repartiam o pão entre os
participantes. Assim os Cátaros eram cristãos que pensavam diferente da Igreja
Católica, no entanto, por simplesmente discordarem dos seus dogmas, foram
vitimados pelas cruzadas e pela Inquisição.
Além disso, os Cátaros eram pessoas extremamente simples, que andavam
maltrapilhas, vestindo batinas longas e pretas, com as cabeças raspadas, cujos
votos muito se assemelhavam aos frades franciscanos. Pelas suas condutas
simples, eram respeitados nas comunidades onde chegavam e passavam a conviver
com as outras pessoas, tornando-se, por isso, líderes religiosos que incomodavam o poder da
Igreja Católica.
Na verdade o catarismo, foi uma religião que nascera do cristianismo,
exatamente pelo fato de que seus seguidores diziam professar, segundo eles afirmavam,
os verdadeiros, ensinamentos de Jesus, o
que mostrava diferenças enormemente conflitantes para com as doutrinas
vaticanistas. Por causa disso eram acusados de hereges adoradores do diabo,
pela Igreja, e provocavam reações terríveis da parte dos papas.
A Igreja Católica, por acaso não observava os ensinamentos do homem de
Nazareth? Que segundo o Evangelho escrito por João, no qual Jesus teria dito:
“Um novo mandamento vos dou: Que vos ameis uns aos outros; como eu vos
amei a vós, que também vós uns aos outros vos ameis.” (São João 13;34)
O escritor Oscar Wilde[1] disse
em uma das suas obras, sobre as formas de despotismo, que no caso, eu chamo de
ditadura espiritual, cuja autoridade que a pratica não precisa ser necessariamente
um Papa, pode ser qualquer um que arrogue para si a qualidade de possuir todas
as verdades do mundo espiritual, e o direito de exigir que todos creiam nos
seus dogmas religiosos:
“... não há
necessidade alguma de separar o monarca da plebe: toda autoridade é igualmente
má. Há três espécies de déspota. Há o que tiraniza o corpo. Há o que tiraniza a
alma. Há o que tiraniza o corpo e a alma. O primeiro chama-se Príncipe. O
segundo chama-se Papa. O terceiro chama-se Povo.”
Abrindo um parêntese, devo dizer que essa intolerância religiosa (que
incita, além da discriminação, o cometimento de assassinato), não foi exclusiva
dos inquisidores da Igreja Católica. Vemos isso no islamismo, como está claramente expressa no Alcorão[2],
quando trata dos “infiéis”. Diga-se que infiéis no caso, são todos os que não
são muçulmanos? Os que embora crendo em Deus, sejam eles de quaisquer outras
religiões, são infiéis para os muçulmanos?
O que dizer então desta surata? É uma contradição?:
“Não há imposição quanto à religião, porque já se destacou a verdade
do erro. Quem renegar o sedutor e crer em Deus, ter-se-á apegado à verdade
inquebrantável, porque Deus é Oniouvinte, sapientíssimo” (Surata 2:256)
Vejamos, por exemplo, algumas suratas a esse respeito:
2:190 - “Combatei,
pela causa
de Deus, aqueles que vos combatem...” Matai-os onde quer se os encontreis... combatei-os até terminar a
perseguição e prevalecer a religião de Deus...”
2:193 – “E
combatei-os até terminar a intriga e prevalecer a religião de Deus. Porém, se
se converterem, não haverá mais hostilidades, senão contra os iníquos.”
2:244 “Combatei
pela causa
de Deus e sabei que Ele é Oniouvinte,
Sapientíssimo”.
(Causa de Deus? Religião de Deus?)
3:157-158 “Mas, se
morrerdes ou fordes assassinados pela causa de Deus, sabei que a Sua
indulgência e a Sua clemência são preferíveis a tudo quando possam acumular.”
3:158- “E sabei
que: tanto se morrerdes como ser fordes assassinados, a Deus retornareis”.
3:169 -“E não
creiais que aqueles que sucumbiram pela causa de Deus estejam mortos; ao
contrário, vivem, agraciados, ao lado do seu Senhor”.
3:195 - “[...] Quanto
àqueles que foram expulsos de seus lares e migraram, magoados pela Minha causa,
combateram e foram mortos, absorvê-los-ei de seus pecados e os introduzirei em
jardins, abaixo dos quais correm os rios, como recompensa de Deus [...]”.
4:74 - “Que
combatam pela causa de Deus aqueles dispostos a sacrificar a vida terrena pela
futura, porque a quem combater pela causa de Deus, quer sucumba, quer vença,
conceder-lhe-emos magnífica recompensa”.
4:76 – “Os crentes
combatem pela causa de Deus; os incrédulos, ao invés, combatem pela do sedutor.
Combatei, pois, os aliados de Satanás, porque a angústia de Satanás é débil”.
4:89 - “[...] Não
tomeis a nenhum deles por confidente, até que tenham migrado pela causa de
Deus. Porém, se se rebelarem, capturai-os então, matai-os, onde quer que os
acheis, e não tomeis a nenhum deles por confidente nem por socorredor”.
5:54 “Ó fiéis, não
tomeis por confidentes os judeus nem os cristãos; que sejam confidentes entre
si. Porém, quem dentre vós os tomar por confidentes, certamente será um deles;
e Deus não encaminha os iníquos”.
Voltando agora sobre a questão dos Cátaros, que foram perseguidos,
torturados e mortos, por incontáveis anos em territórios franceses, por uma Cruzada Albigense[3] impiedosa,
fez culminar na criação do Tribunal do Santo Ofício, mais comumente conhecido
como Inquisição. Essa sanha de perseguição abominável teria, segundo fontes
históricas, acontecido no século 14, por aproximadamente 200 anos após o
surgimento do Catarismo, tendo dessa forma, desaparecido pela tenacidade do
papado e seu inimaginável poder que exercia sobre a Europa, na idade média.
Se a história não foi bem contada, pelo menos há registros de que o abade Arnoldo de Amaury, em julho de
1209, teria ordenado a matança de todos
os cátaros que haviam se escondido na fortaleza de Béziers, no Languedoc,
na França. E a ordem teria sido nestes termos: “Matem-nos todos. Deus saberá
reconhecer os seus!”
Como já mencionei, não obstante os cátaros terem a Bíblia como seu livro
sagrado, mais especialmente o Novo Testamento, eles acreditavam fudamentalmente
no princípio da dualidade dos mundos, cujos reinos, um era invisível,
resplandecente, onde reinava o bem, porque era comandado por Deus; o outro era
material e visível, comandado pelo diabo — portanto, com essa visão, o
catarismo queria dizer que o inferno era aqui mesmo na Terra, o planeta de
expiações. De sorte que a vida humana tinha por objetivo a purificação dos
espíritos, que teriam que reencarnar indefinidamente, até que ocorresse o dia
do Juízo Final, quando todos se salvariam indo para o reino de Deus.
Ao contrário da Igreja Católica, através da “Santa Inquisição”, e do
Alcorão Sagrado, os Cátaros não pregavam a matança dos que deles discordavam.
Bom, não pretendo tornar este assunto muito extenso, até porque o leitor
poderá realizar outras pesquisas históricas a respeito dos Cátaros, mas para encerrar
fica aqui uma pergunta:
— Afinal, quem era mesmo
herege???
Outras fontes consultadas[4]:
[1] WILDE, Oscar. A Alma do Homem sob o Socialismo.
Tradução de Heitor Ferreira da Costa. Porto Alegre:
L&PM, 2003, p. 70.
[2] Alcorão Sagrado; versão portuguesa diretamente do
árabe por Samir El Hayek, apresentação de S.E. Dr. Abdalla Abdel Chakur Kamel.
São Paulo, Tangará, 1975.
[3] Nome esse em razão dos cátaros terem se
aglomerado na cidade de Albi, ficando conhecidos, por isso, de Albigenses.
[4] —BURL, Aubrey. Hereges de Deus: a cruzada dos
Cátaros e Albigenses . Tradução de Ana
Carolina Trevisan Camilo. São Paulo: Madras, 2003.
—O’SHEA, Stephen. A Heresia
Perfeita: a vida e a morte revolucionária dos Cátaros
na Idade Média . Tradução de
André Luiz Barros, Rio de Janeiro: Editora Record, 2005.
—O’SHEA, Stephen. A Heresia dos
Cátaros – Uma Revolução Medieval, ASA, 2003, edição portuguesa.