domingo, 17 de março de 2013

AS RELIGIÕES ORGANIZADAS DIANTE DOS CONFLITOS EXISTENCIAIS DO SER HUMANO. SÃO ELAS DETENTORAS DE POSSÍVEIS FRAGMENTOS DAS VERDADES?

















Luiz Carlos Nogueira















Conta-se que depois do “Primeiro Concílio Budista”, organizado pelo monge Kassapa, por volta de 400 a.C, na Caverna de das Sete Folhas, em Rajagaha, com a finalidade do monge Ananda que conviveu diretamente com Sidarta Gautama, reproduzir, de cor, tudo quanto ouviu de Buda (O Iluminado).

A partir daí o Budismo teve início como religião organizada, que segundo o monge Stephen Batchelor[1] “Até Buda, portanto, se sentiu oprimido pela organização que ele próprio criara a fim de preservar e disseminar seus ensinamentos.”, mas, no entanto, Batchelor acrescenta: “Porém, se não houvessem sido organizadas em ortodoxias e instituições, as ideias de Guatama teriam sobrevivido? Por mais que eu simpatize com Ananda em seu conflito com Kassapa, devo reconhecer que, sem a liderança agressiva de um homem com este último numa época tão instável, O Dharma talvez fosse esquecido na geração seguinte à morte de Buda. Se os mosteiros de Será e Songgwangsa não permanecessem por séculos como baluartes de suas respectivas tradições budistas, teria eu recebido a educação e o treinamento graças aos quais posso hoje escrever sobre o budismo? Duvido muito. Quer goste ou não, o espírito que anima a vida religiosa e sua organização formal me parece — com Buda e Mara — inextrincavelmente ligados um ao outro.” “Trocar a religião organizada por uma ‘espiritualidade’ nebulosa e eclética também não é uma solução satisfatória.” (pág.297)

Nota: Mara, segundo o Cânone Páli, é a personificação  da astúcia e do mal – portanto — o demônio.(pag.313)

Mas é interessante notarmos como as opiniões divergem neste sentido. Por exemplo Jiddu Krishnamurti[2] quando rompeu com a Ordem da Estrela do Oriente, na qual foi colocado como chefe, porque segundo sua mãe adotiva Anie Besant, ele seria a nova encarnação do Messias (Bodhisatwa Maitreya), condição que ele se recusou de assumir, disse que: ''A verdade é uma terra sem caminho. O homem não chegará a ela através de organização alguma, de qualquer crença de nenhum dogma, de nenhum sacerdotal ou mesmo um ritual, nem através de nenhum conhecimento filosófico ou técnica psicológica. Ele vai encontrá-la através do espelho do relacionamento, através do entendimento dos conteúdos de sua própria mente, através da observação, e não através de análise intelectual ou dissecação introspectiva".

Em seu discurso quando desse rompimento, Krishnamurti contou uma história, em que: "O diabo e um amigo estavam passeando quando viram, a sua frente, um homem abaixar-se e pegar algo brilhante do chão. O homem olhou para aquilo com deleite, colocou-o no bolso e continuou caminhando. O amigo perguntou: "O que aquele homem achou que o transformou tanto?" O diabo respondeu: "Eu sei, ele encontrou a verdade." "Por Deus!"- exclamou seu amigo: "Isto deve ser um mau negócio para você!". "De jeito nenhum"- o diabo respondeu com um sorriso malicioso: "Vou ajudá-lo a organizá-la, você vai ver só!".

Então Krishnamurti indagou: "Pode a verdade ser organizada? Você pode encontrar a verdade através de uma organização? Elas estão baseadas em diferentes crenças. Crenças e organizações estão sempre separando as pessoas, excluindo umas das outras. Você é um hindu e eu sou um mulçumano, você é um cristão e eu sou um budista. Crenças, ao longo de toda a história, atuaram como uma barreira entre os seres humanos. Nós falamos de fraternidade, mas se você tem uma crença diferente da minha, estou pronto para cortar sua cabeça; nós temos visto isso acontecer inúmeras vezes.”
Continuando, disse: "A experiência de Deus deve ser experimentar por si mesmo. Ela não pode ser organizada. No momento que é organizada, propagada, ela cessa de ser verdade, ela se torna uma mentira. O real, o imensurável, não pode ser formulado, não pode ser colocado em palavras. O desconhecido não pode ser medido pelo conhecido, pela palavra. Quando você o mede, ele cessa de ser verdade, deixa de ser real e, portanto, é uma mentira". 

Assim é em toda organização humana. As dissensões, as disputas pelo poder, as vaidades, enfim, todas as manifestações das deficiências e propensões do ser humano têm que conviver, digamos, sobre o mesmo teto.


No entanto, não se pode negar que apesar de tudo, as religiões oferecem ou servem como algum norte, consolo ou conforto espiritual/psicológico, para quase a totalidade das pessoas, diante dos seus problemas existências e seus infortúnios. Aliás, a busca pelo sagrado constitui um poderoso antídoto contra o sofrimento humano. Até mesmo um ateu reconhece isso.

O físico ateu Marcelo Gleiser, conta em seu livro “Criação Imperfeita”[3], que certa vez, quando de uma entrevista para a Rádio AM de Brasília, na estação rodoviária daquela Capital, rodeado de operários e diaristas, falando de como a ciência explica a origem do universo de acordo com a teoria do Big Bang. Eis, porém, que de repente um trabalhador sujo de graxa e com rugas precoces no rosto, ergueu a mão olhando fixamente para ele, e perguntou-lhe: “Quer dizer que o senhor quer tirar até Deus da gente?”. (pag.41)

Gleiser olhou chocado para aquele homem, sabendo que o que ele lhe indagava naquele momento, representava o questionamento de bilhões de outras pessoas.

De tal sorte, o físico referiu-se a Karl Marx, quando este disse que “a religião é o ópio do povo” e acrescentou: “Se a intenção de alguns é tirar a religião das pessoas, é bom oferecer um outro tipo de ópio. O que o ateísmo oferece — mesmo com todo o seu apelo à razão e à lógica da ciência — não vai funcionar. Ao menos não como costuma ser apresentado, sem qualquer vestígio de espiritualidade.”. Gleiser observa que para evitar confusão, explica que para ele, “espiritualidade não está ligada a uma dimensão religiosa sobrenatural, oposta ao mundo material. Também não está ligada a uma possível conexão espiritual com a ‘mente de Deus’ que os unificadores buscam numa Teoria Final. O que inspira a minha espiritualidade é a ligação profunda que sinto com a Natureza, é uma celebração da vida.” (págs.41,42)









[1] Batchelor, Stephen, Confissões de um ateu budista, tradução de Gilson César Cardoso de Souza — São Paulo: Pensamento, 2012.
[3] Gleiser, Marcelo, 1959,Criação Imperfeita — 5ª edição — Rio de Janeiro: Record, 2012

2 comentários:

  1. Meu caro.
    Um dia eu disse em uma reunião entre confrades uma frase que abalou todas as estruturas. Não sei se vc estava lá
    naquela noite, mas eu disse que tinha descoberto A VERDADE ABSOLUTA. Houve um pânico silencioso entre os presentes e uma pergunta uninânime: QUAL É?
    Então, com muita calma, respondi: A MINHA. E CADA UM DE VOCÊS TEM A SUA VERDADE ABSOLUTA.

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    1. Taí, eu nem tenho certeza das minhas verdades, apenas desconfio que elas possam ser, não obstante tudo seja transitório e impermanente. Neste mundo nada que achamos que pode ser - é, as vezes, a realidade.

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